Arquivo de janeiro 2009
¶ 31 de Janeiro de 2009
How do you think I feel
when you make me talk to you
and won't let me stop
till the words turn into a moan?
Do you think I mind
when you put your hand over my mouth
and tell me not to move
so you can "hear" it happening?
And how do you think I like it
when you tell me what to do
and your mouth opens
and you look straight through me?
Do you think I mind
when the blank expression comes
and you set off alone
down the hall of collapsing columns?
Hugo Williams
¶ 31 de Janeiro de 2009
(re)ver o mar de perto
¶ 31 de Janeiro de 2009
(gentileza de Amélia Pais)
Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.
Aqui, coração
que andou entre os homens, arranco
do corpo as vestes e o brilho de uma jura:
Mais negro no negro, estou mais nu.
Só quando sou falso sou fiel.
Sou tu quando sou eu.
Na fonte dos teus olhos
ando à deriva sonhando o rapto.
Um fio apanhou um fio:
separamo-nos enlaçados.
Na fonte dos teus olhos
um enforcado estrangula o baraço.
Paul Celan
¶ 29 de Janeiro de 2009
o poeta sofre :
de falta de palavras
de falta de certezas
de falta de amores
que o tempo lhe rouba
enquanto busca a caneta : o papel
e os rascunhos pendurados
em si mesmo
: mas se a busca cessa
corre o risco de morrer
paralisado :
de falta de amores
de falta de certezas
de falta de palavras :
o poeta sofre
Ana Peluso
¶ 29 de Janeiro de 2009
Ser poeta é ter sublime, é ter sentida
Uma ilusão que nos consome e encanta.
É palpitar em luta desabrida,
Para a conquista do ouro de Atalanta.
Ser poeta é ser embarcação perdida
Pelos mares. É ser um Deus que canta.
É ter milhões de vida numa vida,
E um mundo de ilusões, que se alevanta.
Ser poeta é procurar pelos espaços,
Na contorção nervosa dos abraços,
Todos os sóis e todos os planetas...
É viajar pela amplidão dos ares,
Até chegar aos fogos estelares
Que se perdem na cauda dos cometas!
Anderson de Araújo Horta
¶ 29 de Janeiro de 2009
quase magia
¶ 29 de Janeiro de 2009
0 futuro é um pássaro assustado
na direcção da minha testa.
Recuo, às vezes, mas a terra
gira satélites implacáveis.
Calendários são
asas na madrugada
dissolvidas à meia noite.
Enterro o relógio,
misturo a matemática,
não adivinho se é sábado, aniversário
ou desfile da independência ou morte,
Chove, as nuvens surpresas
escorrem no cimento,
a terra seca morre sepultada
com seus olhos de areia.
(...)
André Carneiro
¶ 28 de Janeiro de 2009
Se o teu amor é terra,
o meu amor é estrela.
Se o teu amor é sombra,
o meu amor é vida.
Se o teu amor é chuva,
o meu é arco-íris.
(O teu amor às vezes
são folhas coloridas
lambidas pelas chamas.)
Se o teu amor é noite,
o meu amor é dia.
Se o teu amor é dia,
o meu é madrugada.
O meu amor é tudo.
O teu é quase nada.
Anderson de Araújo Horta
¶ 28 de Janeiro de 2009
Emoção é dor por dentro,
a palavra é bisturi
que relembra.
Filme, foto,
nem fita grava
são a lágrima
do momento.
A emoção renasce
o poema finge o agora,
a ficção imita o sentimento,
é brilho da estrela caindo.
Narro um presente fictício,
busco o silêncio da noite seca,
lembrança enterrada no calendário.
Esse momento é estranho,
a caneta derrapa,
descrevo o ontem
com letras dedicadas
aos olhos alheios.
André Carneiro
¶ 28 de Janeiro de 2009
um perfil sui generis
¶ 28 de Janeiro de 2009
Em cada canto da casa,
teu cheiro felino
Em tudo reluz
Nas folhas, teus cabelos embaraçam
No vento, teu som-só sopra prazeres
N' água, teu corpo escorre segredos
Nas pedras, teus pés nus-húmidos gozam
Em cada canto de mim, teu cheiro felino
Em tudo reluz
André Carvalheira
¶ 28 de Janeiro de 2009
Todos os sonhos
terminavam
no copo de cerveja
durante o intervalo
gratificado com o refrigerante
tentava entender por que os olhos
se modificavam em vermelho
paletó e gravata
chapéu
na volta
perdendo ou ganhando
não havia mais a graça da ida
nem conversas sobre sonhos
e futuros
só o bafo
e o cansaço do menino.
Pedro Du Bois
¶ 27 de Janeiro de 2009
livre espaço a ave aurora
as asas cantando climas céus
nuvens agora o sol o vôo
a vida o olhar (re)volta
tempo alegria de novo
Geraldo Carneiro
¶ 27 de Janeiro de 2009
um estranho olhar
¶ 27 de Janeiro de 2009
a boca é o lugar onde se engendra
o silêncio e se proferem sentenças
de morte e colhem blasfémias
e serpenteiam sortilégios
e se enfunam as flores da fala
até forjar a ficção de outra boca
de onde se extrai a ideia do beijo
Geraldo Carneiro
¶ 27 de Janeiro de 2009
cidade do México em meados do século passado
¶ 27 de Janeiro de 2009
(para a minha amiga Alice, por razões óbvias)
o poeta se enfastia da lua
e a compara à amada
depois se enfastia da amada
e vice-versa
Geraldo Carneiro
¶ 26 de Janeiro de 2009
Não há a profundeza da alma
contada como abismos, escuras fendas
mortalhas
não há a profundeza do corpo
dita como segredos, escuros vãos
escadas
não há a profundeza da mão
falada como arrepios que passam, escuras horas
ásperas
não há a profundeza da casa
murmurada como peças fechadas, escuros sótãos
fantasmas
não há a profundeza das palavras
gritadas como folhas soltas, escuras raivas
transportadas.
Pedro Du Bois
¶ 26 de Janeiro de 2009
Thomas More, ou o peso dos dias no século XVI
¶ 26 de Janeiro de 2009
onde ando todos me conhecem:
— lá vai o homem da flor.
Ninguém sabe dos meus pecados com Deus.
sou um homem para menos.
meu contar escorre ladeira.
Não creio em azar. Não por ser otimista
Por saber que a sorte é rara.
sempre ando pela direita.
todos os livros abrem apócrifos.
sou imagem e semelhança do desacontecido.
A pessoa que procuro não sou eu.
André Luiz Pinto
¶ 25 de Janeiro de 2009
Andrea Odoni, ou a atmosfera do artista
¶ 25 de Janeiro de 2009
incrível
tua lembrança:
um leão
rasgando seda.
exponho
os pedaços do amor pela cama:
meia dúzia de anátemas; enjôos
(o brinco de cetim)
post-mortem de livro:
sabes, incalculável,
a soma destes viés
(porque somas
mas não soletras).
André Luiz Pinto
¶ 25 de Janeiro de 2009
Lay your sleeping head, my love,
Human on my faithless arm;
Time and fevers burn away
Individual beauty from
Thoughtful children, and the grave
Proves the child ephermeral:
But in my arms till break of day
Let the living creature lie,
Mortal, guilty, but to me
The entirely beautiful.
Soul and body have no bounds:
To lovers as they lie upon
Her tolerant enchanted slope
In their ordinary swoon,
Grave the vision Venus sends
Of supernatural sympathy,
Universal love and hope;
While an abstract insight wakes
Among the glaciers and the rocks
The hermit's sensual ecstasy.
W.H. Auden
¶ 24 de Janeiro de 2009
A flama frívola e breve
apaga-se sem aviso,
como se não houvera,
mesmo antes de ser, era.
A flama frívola esconde-se
nas arestas incandescentes
dos corações empobrecidos,
fingindo-se chama infinita.
De tal flama nascem
os amores noturnos,
que não resistem a luz
do astro que queima.
A flama frívola é fraca,
calor quase inexistente,
flama que não importa,
perda que não se sente.
André Merez
¶ 24 de Janeiro de 2009
capricho da tarde
cintilam gotas amantes
juntas em arco-íris
André de Oliveira Coelho
¶ 24 de Janeiro de 2009
uma vida longa e cheia que anteontem terminou; a época foi difícil, a amizade exigente e generosa.
¶ 24 de Janeiro de 2009
Minhas entranhas são impregnadas de passados.
Estou sempre às voltas com as minhas lembranças,
a brincar-lhes passando-as delicadamente
entre meus dedos cansados, seu olor sorvendo,
absorvendo-lhes cada sensação já ímpar.
E se, por alguma artimanha casual,
pudéssemos, súbito, voltar ao lugar
já há tempos partido, revivê-lo pleno,
reconviver com as tão velhas impressões,
com a mesma velha disposição de objetos?
E se retornados a esse lugar místico
percebêssemos que ele e as pessoas estão
rigorosamente os mesmos, que o tempo não
passou-lhes, que nunca mais haverá saudade?
As paredes, então, não se nos mostrariam
escuras, enegrecidas como se muito
surradas pelas visões de tantas histórias,
como se, assim como conosco, lhes pesasse
o passado, ferida sempre aberta na alma
– a saudade – que jamais cicatrizará.
E se pudéssemos ser aqueles de outrora
sem sermos criaturas estranhas à gente?
E se fôssemos continuamente tão nossos
a ponto de não mais precisarmos chorar?
Tão nossos que o amanhã jamais derramaria
sobre nossas cabeças suas incertezas,
e o fogo do agora nos governaria?
E se nunca perdêssemos essa vontade
essa volúpia dos reencontros tardios
em que a única coisa a ser feita é comer
devorar os instantes, por si só, fugazes?
Hoje, contemplando antigas fotografias,
percebi que as lembranças me são dolorosas
porque embora muito presentes, são lembranças,
meramente.
André de Oliveira Coelho
¶ 24 de Janeiro de 2009
outro céu, o mesmo inverno
¶ 24 de Janeiro de 2009
mar de chumbo
espelho do céu
deserto inverno
André de Oliveira Coelho
¶ 23 de Janeiro de 2009
Triste
como um céu cinza
de onde cai
uma chuva mansa
porém ácida
Grave
como uma flor
solitária
num imenso
jardim de espinhos
Poeta?
André de Oliveira Coelho
¶ 23 de Janeiro de 2009
Espia
avista
o que procura
entreaberta
cortina
o barulho da rua
conflita os sentidos
entreaberta
janela
desiste do que
a vista não alcança.
Pedro Du Bois
¶ 23 de Janeiro de 2009
Meus sonhos
são sonhos que não calam.
Se calados exalam
À sublime natureza
O quanto eles falam.
Meus sonhos
Quando juntado a outros,
Se multiplicam,
Parece que exortam
Sonhos já mortos.
Meus sonhos
Na ânsia de realizar,
Me pede clemência
Para exaltar
Até a demência
Que a paciência
Não soube expressar!
Ah! Meus sonhos , meus sonhos!
Se já não estão mortos
É porque a franqueza de sonhar
Me fez um menino
Franzino,atrevido,
Que até se fez refém
Do sonho que não veio.
Meus sonhos, mesmo assim,
Não param de sonhar.
Sonhar com a grandeza...
A imensa grandeza de amar!
Ângelo Paraíso Martins
¶ 23 de Janeiro de 2009
Certainty, fidelity
On the stroke of midnight pass
Like vibrations of a bell,
And fashionable madmen raise
Their pedantic boring cry:
Every farthing of the cost,
All the dreadful cards foretell,
Shall be paid, but not from this night
Not a whisper, not a thought,
Not a kiss nor look be lost.
Beauty, midnight, vision dies:
Let the winds of dawn that blow
Softly round your dreaming head
Such a day of sweetness show
Eye and knocking heart may bless.
Find the mortal world enough;
Noons of dryness see you fed
By the involuntary powers,
Nights of insult let you pass
Watched by every human love.
W.H. Auden
¶ 22 de Janeiro de 2009
retrato de Frida
¶ 22 de Janeiro de 2009
As vezes
em que me disse
pronto. Menti a consideração devida.
Alçado ao comando refuguei
a tropa. Descrevi lutas: enfronhado
em tiros retirei do nada a afirmação
de estar apto ao encontro.
As vozes ditam regras inabaláveis
e ao longe escuto a serra cortar
o lastro do meu barco.
Não estou pronto ao descortínio.
A visão embaça enquanto choro
impropriedades.
Pedro Du Bois
¶ 22 de Janeiro de 2009
Algumas coisas que não pudermos escrever
se apagarão nesta nebulosa
sonora
onde cada vida possível
não dura mais do que um momento
breve
(que de tão breve
nem chegamos a ouvir)
Annita Costa Malufe
¶ 22 de Janeiro de 2009
Mme. Dreyfus em cores suaves, a contrabalançar o dia
¶ 22 de Janeiro de 2009
(...)
Quão particular este silêncio
(viés oculto)
que me sabe desnudo
despudoramente nu
encalhado num atol:
leito circunscrito
às algas do meu avesso.
Sem embargo
trago sempre no alforje
um fardo de estrelas:
sei-me estivador
desse cais agónico
atarefado Sísifo
Aníbal Beça
¶ 21 de Janeiro de 2009
Le jour n’est pas plus pur que le fond de mon coeur
Racine
ao ver
o não
que sai
da dor
o som
da voz
já vai
no sim
no tom
do céu
não vi
mais luz
do que
no sol
que há
em mim
Antônio Carlos Secchin
¶ 21 de Janeiro de 2009
Adão e Eva em formato arredondado
¶ 21 de Janeiro de 2009
Nos dias de chuva fina
cabe ficar desfiando lembranças opacas
dessas meio disformes
com cara de anos trinta
ficar divagando nas veias da madeira
da velha escrivaninha do avô
e pensando se o amor
vai além de
nomes
números
e essa longa espera
insone
Annita Costa Malufe
¶ 21 de Janeiro de 2009
Pássaro a voar
Na manhã recém-nascida
Rumo à canção.
Antonio Carlos Osorio
¶ 20 de Janeiro de 2009
outro ângulo
¶ 20 de Janeiro de 2009
Palavra,
nave da navalha,
invente em mim
o avesso do neutro.
Preparo para o dia
a fala, curva do finito
num silêncio de âncora.
Atalho onde me calo
e colho, como a um galo,
o intervalo do azul.
Antônio Carlos Secchin
¶ 20 de Janeiro de 2009
Não, não era ainda a era da passagem
do nada ao nada, e do nada ao seu restante.
Viver era tanger o instante, era linguagem
de se inventar o visível, e era bastante.
Falar é tatear o nome do que se afasta.
Além da terra, há só o sonho de perdê-la.
Além do céu, o mesmo céu, que se alastra
num arquipélago de escuro e de estrela.
Antônio Carlos Secchin
¶ 19 de Janeiro de 2009
bicicletas em movimento vermelho
¶ 19 de Janeiro de 2009
Não esqueces nem lembras;
apenas sorris, ausente.
Junto da nuvem o rosto,
tão perto do mais alto monte a branca
sede tua.
Morreste sob a água, sob a nudez desfeita
do tempo.
Que lábios colheram o inviolável de tua mão?
Sozinha navegas na areia das luas
ou, sem paixão, cavalgas por entre o orvalho
das estrelas.
Ó tranquila!
Não mais a flor prenderá os estios
nem o coração desenhará o seu sangue
no tronco jovem da alegria.
O silêncio era mais belo quando
reclinávamos as cabeças sobre o leve rio.
António José Maldonado
¶ 19 de Janeiro de 2009
fragmento de azul
no espelho das águas
as nuvens despedem-se
Antônio Fernando Guardado
¶ 18 de Janeiro de 2009
a luz do barroco, em pleno século XVII
¶ 18 de Janeiro de 2009
Futuros ou não,
viajemos um para o outro, tranquilos;
viajemos, sombras fugidias, levemente
eternas:
- Tu para mim, eu para ti.
Futuros ou não,
passemos nos lábios inventando o fogo,
passemos nos corpos repartindo as nascentes,
passemos nas almas pronunciando espaço.
Como o ruído dos passos gasta a solidão
dos caminhos,
assim tu em mim,
chegada de muitos gestos, dum mundo e de
outro mundo, do alfa e do omega.
António José Maldonado
¶ 18 de Janeiro de 2009
(gentileza de Amélia Pais)
batalhámos, cada um com seu Inverno
na infância;
amámos depois, cada um separado
na glória do seu corpo;
percorremos durante muito tempo,
isolados um do outro,
o limbo da memória esquece;
e agora que sabemos quase tudo,
buscamos paraísos juntos,
e o único que achámos até hoje
foi andar a procura deles.
Nuno Dempster
¶ 18 de Janeiro de 2009
Lupe Marín, segunda mulher de Diego Rivera, foi o tema inspirador deste vermelho incandescente
¶ 18 de Janeiro de 2009
quando me deixares
nem tudo estará acabado
o litro de rum
fichas pra vitrola
um corpo magro
quando me deixares
não me terás vencido
a cada esquina
saberei resgatar
um ombro amigo
quando me deixares
não verás meu féretro
e talvez te choque
este esqueleto
que aprendeu amar
Antonio Mariano Lima
¶ 17 de Janeiro de 2009
"- Nada é justo. O mais que se pode aspirar é que seja lógico. A justiça é uma doença rara num mundo que afora isso tem uma saúde de ferro."
Carlos Ruiz Zafón, in o Jogo do Anjo, trad. Isabel Fraga
¶ 17 de Janeiro de 2009
da cor sem explicação
¶ 17 de Janeiro de 2009
Contigo, sem sinal, sem eternidade.
Inanimado,
não perto da palavra repetido.
Nem antes nem para sempre.
Contigo, para além do vento que nos mede
os braços.
Em liberdade contigo, lado a lado.
- Olhar-te e esquecer o teu nome
não traído, em nossas bocas, gasto.
António José Maldonado
¶ 17 de Janeiro de 2009
Escrevo-te enquanto algo resvala, acaricia, foge
e eu procuro tocar-te com as sílabas do repouso
como se tocasse o vento ou só um pássaro ou uma folha.
Chegaste comigo ao fundo aberto sob um céu marinho,
sobre o qual se desenham as nuvens e as árvores.
Estamos na aurícula do coração do mundo.
O que perdemos ganhamo-lo na ondulação da terra.
Tudo o que queremos dizer sai dos lábios do ar
e é a felicidade da língua vegetal
ou a cabeça leve que se inclina para o oriente.
Ali tocamos um nó, uma sílaba verde, uma pedra de sangue
e um harmonioso astro se eleva como uma espádua fulgurante
enquanto um sopro fresco passa sobre as luzes e os lábios.
António Ramos Rosa
¶ 17 de Janeiro de 2009
restos de um sonho qualquer
¶ 17 de Janeiro de 2009
No objeto sintetizo pais
e mães desvelados em filhos
reproduzidos na consciência
de estarem aqui.
Aguardo ao lado
a passagem dos carros
indiferentes ao que preciso:
ir em frente
e retornar
ao lar: pais e mães
descontrolados
em heranças.
Pedro Du Bois
¶ 16 de Janeiro de 2009
You are so beautiful and I am a fool
to be in love with you
is a theme that keeps coming up
in songs and poems.
There seems to be no room for variation.
I have never heard anyone sing
I am so beautiful
and you are a fool to be in love with me,
even though this notion has surely
crossed the minds of women and men alike.
You are so beautiful, too bad you are a fool
is another one you don't hear.
Or, you are a fool to consider me beautiful.
That one you will never hear, guaranteed.
For no particular reason this afternoon
I am listening to Johnny Hartman
whose dark voice can curl around
the concepts on love, beauty, and foolishness
like no one else's can.
It feels like smoke curling up from a cigarette
someone left burning on a baby grand piano
around three o'clock in the morning;
smoke that billows up into the bright lights
while out there in the darkness
some of the beautiful fools have gathered
around little tables to listen,
some with their eyes closed,
others leaning forward into the music
as if it were holding them up,
or twirling the loose ice in a glass,
slipping by degrees into a rhythmic dream.
Yes, there is all this foolish beauty,
borne beyond midnight,
that has no desire to go home,
especially now when everyone in the room
is watching the large man with the tenor sax
that hangs from his neck like a golden fish.
He moves forward to the edge of the stage
and hands the instrument down to me
and nods that I should play.
So I put the mouthpiece to my lips
and blow into it with all my living breath.
We are all so foolish,
my long bebop solo begins by saying,
so damn foolish
we have become beautiful without even knowing it.
Billy Collins
¶ 16 de Janeiro de 2009
Um vento ondula
folhas imensas
no mais profundo
do meu silêncio.
(...)
Memórias brilham
de uma estrela
jamais descrita.
Brama, cá dentro,
o eterno grito
da terra em trevas.
Antonio Roberval Miketen
¶ 16 de Janeiro de 2009
retrato de Lola Alvarez Bravo
¶ 16 de Janeiro de 2009
Na justa monotonia do meio-dia
oiço o prodígio do repouso e a paixão adormecida.
O concêntrico sopro imobiliza-se. É uma lâmpada
de pedra fulgurante. Tudo é nítido mas ausente.
O mundo todo cabe no olvido e o olvido é transparência
de um denso torso que a nostalgia acende.
No silêncio sinto numa só cadência
a vociferação e o tumulto das pálpebras e dos astros.
Pelas veias o fogo da cal é branco e liso
e a mais remota substância culmina num rumor redondo.
António Ramos Rosa
¶ 16 de Janeiro de 2009
I never stoop'd so low, as they
Which on an eye, cheeke, lip, can prey,
Seldom to them, which soare no higher
Than vertue or the minde to'admire,
For sense, and understanding may
Know, what gives fuell to their fire:
My love, though silly, is more brave,
For may I misse, when ere I crave,
If I know yet, what I would have.
If that be simply perfectest
Which can by no way be exprest
But Negatives, my love is so.
To All, which all love, I say no.
If any who deciphers best,
What we know not, our selves, can know,
Let him teach mee that nothing; This
As yet my ease, and comfort is,
Though I speed not, I cannot misse.
John Donne
¶ 16 de Janeiro de 2009
Quando nos encontramos
além do agouro
dos pássaros
temos a certeza
da companhia
não é tardia
a nossa hora
o cansaço
relevado
no que os sentimentos
têm de sobra
e tempo.
Pedro Du Bois
¶ 15 de Janeiro de 2009
pura harmonia
¶ 15 de Janeiro de 2009
Um ano a mais
um ano a menos
que diferença faz
quando já somos
mais ou menos
mais suaves
mais sábios
mais fortes
mais justos
e de mais a mais
cromossomos
um ano a mais
um ano a menos
a vida é cais
e lá vão nossos sonhos:
barcos pequenos
um ano a mais
um ano a menos
lendo os sinais
nos esquecemos
e quando nos lembramos
é tarde demais
um ano amais
outro adiais
um ano demais
outro de menos
um ano tanto fez
outro tanto faz
um ano como nunca houve outro
um ano sem pagar e só levando o troco
um ano que vem
um ano que vai
e os mesmos ais
mais amenos
Antonio Thadeu Wojciechowski
¶ 15 de Janeiro de 2009
A single flow'r he sent me, since we met.
All tenderly his messenger he chose;
Deep-hearted, pure, with scented dew still wet -
One perfect rose.
I knew the language of the floweret;
'My fragile leaves,' it said, 'his heart enclose.'
Love long has taken for his amulet
One perfect rose.
Why is it no one ever sent me yet
One perfect limousine, do you suppose?
Ah no, it's always just my luck to get
One perfect rose.
Dorothy Parker
¶ 15 de Janeiro de 2009
sem receio, quando te entregares,
quando te fundires, sem medo,
aos obsclaros e ao mênstruo da linguagem,
mesmo se te houveres perdido,
porque terás de criar livremente a tua língua,
haverás de criar livremente o teu espírito.
Aricy Curvello
¶ 15 de Janeiro de 2009
símbolos sob um céu encoberto
¶ 15 de Janeiro de 2009
A árvore é a única promessa cumprida
de sombra e abrigo
talvez frutos e flores.
Arlene Holanda
¶ 14 de Janeiro de 2009
a fotógrafa, ela própria
¶ 14 de Janeiro de 2009
longe
muito longe
para além
da cinza destes dias
em terra de esquecimento
um jardim é órfão das suas flores
e
homens comem sombra
pela tua mão
pesado e lento
corre o sangue dos
deslembrados
roxo como rio
de pesadelo
por
planura de angústia
e capim seco
em terra de esquecimento
para além
da cinza destes dias
longe
muito longe
Arlindo Barbeitos
¶ 14 de Janeiro de 2009
O teu corpo de terra e maresia
onde o meu barco se desencalha
e abre velas e caminhos livres
o teu corpo de terra e maresia
onde a minha proa anuncia
segredos na esteira branca
o teu corpo de terra e maresia
onde a minha bandeira de sonhos
no mais fundo se revela
o teu corpo de terra e maresia
onde o meu barco de novo se prepara
para novas e longas viagens
em busca de um dia justo, limpo e pleno,
(assim seja!).
Armando Artur
¶ 14 de Janeiro de 2009
Passei dias ausentes
em silêncio
esqueci o som da palavra
e diante do espelho
mudo em reflexos
ressoei o som
do nome. Senti
a redescoberta
no encontro e a ausência
se fez cúmplice.
Pedro Du Bois
¶ 13 de Janeiro de 2009
papéis pintados com tinta
¶ 13 de Janeiro de 2009
Agora não professo
nem sussurro ao vento
os segredos que reinvento,
remo na transumância dos dias.
O sonho, esse discípulo
da noite dissipada,
inspira-me à peregrinação.
Agora não tenho fronteiras,
mas quando o exílio da memória
me retém o espelho dos dias
ao sentido original das coisas
regresso, porque é necessário
ser contemporâneo do tempo.
Agora, sim, professo:
viver e abraçar os rumores
do presente.
Armando Artur
¶ 13 de Janeiro de 2009
Cazadora de almas
llenas mi soledad.
Cazadora de sombras
qué triste verdad.
Vas buscando secretos
mi lujuria es cantar.
Vas buscando los ríos
de mis dedos se van.
Marcelo Arancibia
¶ 13 de Janeiro de 2009
chamas a preto e branco
¶ 13 de Janeiro de 2009
Triste é constatar que somos prisioneiros
De nós mesmos, que já não passamos de arteiros
Meninos na incessante busca por verdadeiros
Caminhos a trilhar. Unidos a agoureiros
Instintos anormais queremos as cadências
Sucumbidas nos vícios de quaisquer essências,
Os sobroços insossos das intermitências
Hostis. Fantasmagóricas impaciências
Brilham nos descampados do ser, magnetizam
Tolas necessidades que, plenas, deslizam
Nos abismos. Florais sonhos aromatizam
Expectativas e dores invioláveis,
Retraem os impulsos desses recicláveis
Momentos atrelados a vidas instáveis.
Aroldo Ferreira Leão
¶ 12 de Janeiro de 2009
Alice, ou o eterno desajuste
¶ 12 de Janeiro de 2009
Caminábamos oscuros por la noche sola
de la mano de unos versos que cosían la boca
con un par de puntos a favor del silencio
-un juego de palabras-, la lengua
se hacía un nudo de hilo, para enredar
la metáfora de esas citas nocturnas
que se llevaban a cabo en parques,
cuyos nombres convertíamos en claves
o cruces para marcar el mapa
de nuestros desaciertos.
Andrés Anwandter
¶ 12 de Janeiro de 2009
Algo envereda
Pelo silêncio
De toda queda.
Reconstrói o ócio
Envenenado
Das circunstâncias.
O vesgo enfado
De velhas ânsias
Flutua, tímido,
No sustenido
Tom destemido
Vindo, silente,
Na transcendente
Dor decadente.
Aroldo Ferreira Leão
¶ 12 de Janeiro de 2009
El inútil corazón de las palabras
late inútilmente otra vez: una figura
que no alcanza a bombearse a sí misma
la sangre que repita el hastío, el inútil
corazón de las palabras exhalando
su postrera expiración.
Condenado a un oficio menor, como barrer
los pasillos que abandonan las palabras
maldigo a mis patrones entre dientes,
entre versos que no alcanzan a roer
la estructura de este viejo edificio: el poema
en que trabajo hace unos meses con desgano.
Andrés Anwandter
¶ 12 de Janeiro de 2009
Pra onde correres, não adianta, serás
Só. O pó dos dias únicos transformará
Teus vazios, porá na inquietude tua
As disformes ações aceleradas, cruas.
Tens morrido e nascido sempre como um ás
Menino triste, unido a dor que te achará
Movido no caos das coisas. Algo flutua
Na descrença que te torna sisudas ruas
Desalinhadas nos congestionamentos
Do ser. Perdeste a ti, nada mais sobrou para
Contares a história íntima dos movimentos
Sincopados de tudo que te perturbou
Serenamente. Rostos no ermo são a cara
Do humano cidadão que a si mesmo podou.
Aroldo Ferreira Leão
¶ 11 de Janeiro de 2009
nascida Dolores Martínez de Anda, fotógrafa mexicana do século XX.
¶ 11 de Janeiro de 2009
(...)
sempre haverá a música das águas
enganosas em sereias e serpentes
porque delas somos feitos
em cada instante de medo
e de felicidade
da falsa impressão de liberdade
não carregamos a carga
que na viagem longa
não se deve sobrecarregar o corpo
e nos desvãos do antes
ficam as falsas esperanças
Pedro Du Bois
¶ 11 de Janeiro de 2009
Como la vida privada de los árboles
(o de los náufragos): aferrado a estas palabras
en el océano como una mesa
cubierta de partituras, y un barco
navegando en los ojos, escribo:
una imagen absurda que se confunde
con la nostalgia de cosas que no he vivido,
como la vida privada de los árboles
o de los náufragos.
Andrés Anwandter
¶ 11 de Janeiro de 2009
A viagem do poema:
O caminho sem retorno,
A luz que brilha
Nos abismos,
A cor das memórias
Sem destino,
A força dos quasímodos e embusteiros.
Aroldo Ferreira Leão
¶ 11 de Janeiro de 2009
outra ponte
¶ 11 de Janeiro de 2009
(gentileza de Amélia Pais)
O peso da vida!
Gostava de senti-lo à tua maneira
e ouvi-la crescer dentro de mim,
em carne viva,
não queria somente
rasgar-te a ferida,
não queria apenas esta vocação paciente
do lavrador,
mas, também, a da terra
e que é a tua
Assume o amor como um ofício
onde tens que te esmerar,
repete-o até à perfeição,
repete-o quantas vezes for preciso
até dentro dele tudo durar
e ter sentido
Deixa nele crescer o sol
até tarde,
deixa-o ser a asa da imaginação,
a casa da concórdia,
só nunca deixes que sobre
para não ser memória.
Eduardo White
¶ 11 de Janeiro de 2009
um lugar no mundo
¶ 11 de Janeiro de 2009
O poema subjaz.
Insiste sem existir
escapa durante a captura
vive do seu morrer.
O poema lateja.
É limbo, é limo,
imperfeição enfrentada,
pecado original.
O poema viceja no oculto
engendra-se em diluição
desfaz-se ao apetecer.
O poema poreja flor e adaga
e assassina o íncubo sentido.
Existe para não ser.
Artur da Távola
¶ 10 de Janeiro de 2009
Intento adivinar la noche
El rumor de tu voz
La soledad de tus avisos
Intento sumergirme
Con la angustia de los peatones
Resolver de golpe
Los acertijos de todas tus esquinas
Sospecho que es posible
Sospecho que sí puedo
Que contigo está mi sombra
El lenguaje de estos dedos
Que se escribe sin motivo.
Harold Alva
¶ 10 de Janeiro de 2009
Sim, a poesia é a verdade mágica.
É o sonho a emplumar as tardes do real.
Ou alguma cousa que chega-nos, pelágica,
ou uma palavra eterna e pastoral.
A lógica poética é a beleza
a nascer do esplendor do ser em sagração
ou ao grito terrível da tristeza.
E tudo a voar, nas almas, é canção.
Artur Eduardo Benevides
¶ 10 de Janeiro de 2009
do mar em movimento
¶ 10 de Janeiro de 2009
Os olhos não fitam
a mão que afaga
o coração em que não pulsa
o sangue que não percorre
a veia dissecada
alma dilacerada
vísceras
artérias
olhos ávidos
distantes
a cada instante
contemplando a madrugada
sumindo
porque não houve noite
nem dia
e não surgiu a face mais visível
da lua
não mirei a tua
não devassaste a minha
não encontrei a casa
não saíste à rua
a cidade é apenas
uma suposição geográfica
esquecida no tempo
que não se move
porque já não há tempo
mensurável
e portanto não houve
e jamais haverá fim de semana
tudo uma interminável
segunda feira
mítica
insana
e o mar não mais que uma referência
na linha imaginária
inatingível
ao pensamento que se forma
e se desfaz
o que apraz
a nossa paz
porque não existe luz
não há razão
a mão não toca
a boca não sente
o beijo
teu desejo
meu desejo
de não sentir desejo
minha ânsia
teu suave riso
meu sublime pranto
a tua ida
a minha volta
o nosso encontro
a cada desencontro
para negar o amor
até as últimas conseqüências
porque não existes tu
nem existo eu
é tudo um paradoxo monumental.
Astolfo Lima Sandy
¶ 9 de Janeiro de 2009
da leveza
¶ 9 de Janeiro de 2009
La madrugada tiembla cuando mis dedos arden
Apuntan a constelaciones inéditas
Que perciben mi fuerza
A través de estas acciones
A través de ese ángulo
De esta palabra que se agita
Cuando me reconoce en su tristeza
Yo debo ser la tristeza
Las alas de aquellos pájaros que nunca se someten.
Harold Alva
¶ 9 de Janeiro de 2009
Amor custa bem caro.
Mesmo assim depenamos bolsos
e bolsas de moedas raras.
Por ele pagamos, em prestações
nem sempre suaves, quanto
de entrada supúnhamos
de todo não poder:
o alto preço dos sustos,
a conta escorchante
das noites em claro,
os juros extorsivos
do medo de perdê-lo,
a tristeza do saldo zero.
Queixamo-nos de carestia
se de amor-próprio ainda
nos sobra algum trocado,
mas que fazer quando só
amor é o lucro que buscamos?
Astrid Cabral
¶ 8 de Janeiro de 2009
Volterra, ou uma memória feliz
¶ 8 de Janeiro de 2009
Rumbo a una segura muerte,
las furiosas olas reclaman por tu ausencia.
Bajo llanuras de nostalgia,
artificio y ruego;
camino hacia el encuentro.
Observo esa tibia imagen, confusa y raída,
en el pálido brebaje.
Tu nombre se dispersa entre eternos balbuceos,
bajo el agua,
en la tersa oscuridad de la explanada.
Carlos Almonte
¶ 8 de Janeiro de 2009
Amor com tremor de terra
abalando montanhas e minérios
nas entranhas da minha carne.
Amor como relâmpago e sóis
inaugurando auroras
ou ateando faíscas e incêndios
nas trevas da minha noite.
Amor como açudes sangrando
ou caudais e tempestades
despencando dilúvios.
E não me falem de ruínas
nem de cinzas, nem de lama.
Astrid Cabral
¶ 8 de Janeiro de 2009
Falamos ao tempo
sobre a eternidade
e nos dizemos satisfeitos
com o restante da noite.
A efemeridade dos discursos.
Pedro Du Bois
¶ 8 de Janeiro de 2009
outros voos
¶ 8 de Janeiro de 2009
Festeiros trêfegos,
a solidão não os decreta
solidários, os poetas ascetas
essa tribo que não renego.
Falam de tristeza,
de cinza das horas,
como mártires, embora
confraternizem em volta da mesa.
Em toda confraria há brumas
de um laço cheio de mistérios
em cujas águas sem rumos
Li Tai Po seduziu a lua, ébrio.
Sabe, poeta, que o mito
é o maná deserto
e a poesia tão perto
não se esconde no infinito.
Augusto Estellita Lins
¶ 7 de Janeiro de 2009
Soy la hora que comienza
y no termina.
Soy camino en curva una noche de tormenta.
Soy arriba, flanco interminable.
Soy abajo, grieta impredecible.
Soy olvido y verso.
Soy el arrabal demente que no aguanta otra miseria.
Soy el canto amargo de los que anclaron en el sur,
en carretas cojas, llantos medievales,
indios, negros y tsunamis.
Soy canción de cuna y fúnebre entonada al aire,
sin que nadie sepa, sin que nadie llore.
Soy la muerte roja, sangre y tifus.
Soy castillo abandonado,
un perdido túnel hacia el otro infierno.
Soy la paz de Oriente, suave pergamino
aniquilado en voces de batalla injusta.
Soy la Virgen.
Soy los Santos.
Soy la cruz y soy la espada,
inrastreable huella de la Santa Inquisición.
Soy Klaus Kinski en llamas,
maniatado en medio de la selva,
acuchillado por sus propios compañeros.
Soy eterno.
Soy mortal.
Soy silencio.
Soy la arena que respiro cada día.
Soy lechuza en vuelo.
Soy caballo alado.
Soy apocalipsis flagelado, y sin embargo río,
canto, embriago, orino;
duermo entre las flores amarillas de la entrada.
Soy madera en verga,
una estación desmantelada.
Soy engaño, filtro y descomposición.
Soy la presa que tuviste entre las manos,
manos largas, blancas, frías,
manos masturbadas en mi semen gris de perdición.
Soy la cuenta regresiva que traspone el cero.
Soy iniquidad perdida entre montañas que no existen.
Soy la sombra que no viste al ingresar al Templo.
Soy tu rezo, tu oración.
Soy cadena, cuenta piedra, vidrio entrega.
Soy la confidencia,
fe en el símbolo que pudre el alma de unos cuantos.
Soy muralla ardiente.
Soy caída.
Soy cualquiera.
Soy la puta que más quieres.
Soy decente, soy honesto.
Soy ladrón, enhiesto paso entre la llave y el delirio.
Soy capaz de todo -es por eso que naufrago en la inacción-.
Soy tiniebla envuelta en latas oxidadas.
Soy el líquido energúmeno de aquella vez, aquella vez...
Soy la droga, el cactus,
soy la espina que lacera.
Soy papel, soy escritura,
noche ambigua y caligráfica, allá,
frente al último vagón.
Soy un salto hacia el vacío,
tinta, imprenta, tipo.
Soy la sábana manchada que no cambio nunca más.
Soy sucio, soy cloaca,
soy la mierda.
Soy la despedida en siete líneas.
Soy aviso.
Soy señal.
Soy la hora que no llega, medianoche en transparente velo,
desgarrado apenas por tu queja suave que aún recuerdo.
Soy nostalgia.
Soy pasado.
Soy el frío que no existe.
Soy final oscuro, el que ya no es,
el que no será jamás.
Carlos Almonte
¶ 7 de Janeiro de 2009
do azul em fundo
¶ 7 de Janeiro de 2009
Hoy no estoy
escapé de la hora mundial
y no tengo piel
me desalojé
y soy lo que voy nombrando
y voy en lo que va volando
y creo en lo que sigo mintiendo
Muro del aire y de las edades
no me detengas!
en un puñado llevo la sorpresa
de los huesos, el azar, la posibilidad
el cálculo, la suma, la puerta de una vida,
el riesgo, la sangre que más tarde
me edificará, de paso en el trigo.
Alfonso Alcalde
¶ 7 de Janeiro de 2009
Viam-no, outra vez, cair de bruços,
baleado.
Mas viam outra vez erguer-se, invulnerável,
assombroso, terrível, abatendo-se
e aprumando-se, o atirador fantástico.
Augusto de Campos
¶ 7 de Janeiro de 2009
Tina Modotti, nome pelo qual ficou conhecida Assunta Adelaide Luigia Modotti Mondini
¶ 7 de Janeiro de 2009
Ao contrário do que meus inimigos
calam
sobre mim
torno público
o espúrio plano
de me fazerem esquecido
em deslembranças: refletir no espelho
o rosto acontecido.
Cito de memória histórias universalizadas
e desdigo cada silêncio em amaciares
e denúncias: sou o esqueleto posto
em arames ao pé da escada.
Pedro Du Bois
¶ 6 de Janeiro de 2009
and now for something completely different...
¶ 6 de Janeiro de 2009
A varanda era batida pelos ventos do mar
As árvores tinham flores que desciam para a
morte, com a lentidão das lágrimas.
Veleiros seguiam para crepúsculos com as
asas cansadas e brancas se despedindo,
O tempo fugia com uma doçura jamais de
novo experimentada
Mas o grande momento era quando os meus
olhos conseguiam
entrar pela noite fresca dos seus olhos...
Augusto Frederico Schmidt
¶ 6 de Janeiro de 2009
Nature assigns the Sun—
That—is Astronomy—
Nature cannot enact a Friend—
That—is Astrology.
Emily Dickinson
¶ 6 de Janeiro de 2009
Mas é querer somente
o meu sorrir é queixa
minha prece um grito
um eco da revolta irremediável represada comigo
desde o ter nascido
entre o que nasci e o que me fez a vida
a dor de não ter sido
um clamor quase mudo
de pouco ter achado e ter sonhado tudo
o escutar sangrento
e longe
do horizonte
no eco de um profundo e milenar conflito.
Augusto Severo Netto
¶ 6 de Janeiro de 2009
Magdalena Nile del Rio, senhora de um belo perfil
¶ 6 de Janeiro de 2009
The Luxury to apprehend
The Luxury 'twould be
To look at Thee a single time
An Epicure of Me
In whatsoever Presence makes
Till for a further Food
I scarcely recollect to starve
So first am I supplied—
The Luxury to meditate
The Luxury it was
To banguet on thy Countenance
A Sumptuousness bestows
On plainer Days, whose Table far
As Certainty can see
Is laden with a single Crumb
The Consciousness of Thee.
Emily Dickinson
¶ 6 de Janeiro de 2009
Sonhei-me girassol
crisântemo
azaléia
e fecundei-me espinho
parasita
e cardo
Talvez por isso ardo
e me esbato
e me evolo
à luz de gambiarras que iluminam o palco de
passadas comédias
onde estão encenando um drama diferente
de quase não querer
de descrença
apatia
onde se escuta ainda o ressoar distante
dos tambores que deram o rítmo de outrora
cadenciando os passos de ter sido um dia
E eu sigo sonhando
Anseio nebulosas
estrelas
promontórios
adro de catedrais
sinfonias
aquários
canções de acalanto
arco-íris
e lagos.
Augusto Severo Netto
¶ 5 de Janeiro de 2009
As apostas
postas sobre a mesa
o peixe
em postas
desfigurado
na resposta
da carne
anteposta ao gozo
gula
engulo as cartas
repostas à mesa
em desconsolo
consolo da noite
mal dormida
das derrotas
propostas pelo espírito
maligno da ambição
e cobiça
composta pelos anos
perdidos em apostas.
Pedro Du Bois
¶ 5 de Janeiro de 2009
É um andar sem descanso
na vereda estreita
sinuosa
e comprida
dos anos que eu vim desde o ser como fora
até o dia em que estou sendo o que sou agora.
Não há praias à vista
nem montanhas
nem portos
e as rochas do caminho desgastadas de vento
de tempo
e desencanto
desgastadas da chuva de um oculto pranto
que ninguém assistiu mas que eu chorei e choro
são polidas e frias
e tem os cantos mortos.
Augusto Severo Netto
¶ 5 de Janeiro de 2009
da agitação
¶ 5 de Janeiro de 2009
Por que esse silêncio
essa paz
essa calma
essa ventura falsa que pedem os circunstantes:
“mostra-a em teu rosto”
sem reparar decerto o não poder fazê-lo
por não sentí-la em mim
por não trazê-la na alma.
Tenho os lábios gretados
como o leito dos rios onde a água é lenda
meu sorrir é queixa
minha prece um grito
um eco de revolta irremediável
do irremediável e milenar conflito
represado comigo desde o ter nascido
entre o que nasci e o que me fez a vida.
Augusto Severo Netto
¶ 4 de Janeiro de 2009
Ser vaga
nuvem
ou pássaro liberto
ter espumas
asas
ou condensações de infinito
possuir todas as praias
todos os espaços
poder voar bem alto
poder erguer os braços
poder erguer a voz
poder lançar um grito
ou fosse apenas canto
prece
ou gargalhada
amar só por amor
só por amar
mais nada
ser nauta
vagabundo
menestrel
cigano
ou mesmo
- que não mais -
um cavaleiro andante
poder viver um ano inteiro em cada instante
e um século de vida viver em cada ano
Augusto Severo Netto
¶ 4 de Janeiro de 2009
Não ser jamais algoz de um sonho
ou de um anseio
fazer da vida um fim e não somente um meio
de alcançar um fim por todo meio incerto
não ser jamais estéril e árido deserto
ondenão floresce
sequer
a flor selvagem
não ser árvore seca despida de folhagem
por onde o vento passe a murmurar baixinho
onde a ave pouse e possa ter um ninho
de onde brote o fruto rubro
sumarento
Não ser jamais a pedra fria do convento
que mesmo ouvindo preces permanece fria
não ser jamais a rocha abrupta
sem harmonia
não ser jamais o ódio
a inveja
o desengano
poder ouvir no mar uma eterna sinfonia
e no soprar dos ventos escutar um hino
ser um pouco da terra para ser divino
e ser dos céus um pouco para ser humano.
Augusto Severo Netto
¶ 4 de Janeiro de 2009
colorir um domingo
¶ 4 de Janeiro de 2009
it sits outside my window now
like and old woman going to market;
it sits and watches me,
it sweats nevously
through wire and fog and dog-bark
until suddenly
I slam the screen with a newspaper
like slapping at a fly
and you could hear the scream
over this plain city,
and then it left.
the way to end a poem
like this
is to become suddenly
quiet.
Charles Bukowski
¶ 3 de Janeiro de 2009
As he grew famous—ah, but what is fame?—
he lost his old obsession with his name,
things seemed to matter less,
including the fame—a television team came
from another country to make a film of him
which did not him distress:
he enjoyed the hard work & he was good at that,
so they all said—the charming Englishman
among the camera & the lights
mathematically wandered in his pub & livingroom
doing their duty, as too he did it,
but where are the delights
of long-for fame, unless fame makes him feel easy?
I am cold & weary, said Henry, fame makes me feel lazy,
yet i must do my best.
It doesn't matter, truly. It doesn't matter truly.
It seems to be solely a matter of continuing Henry
voicing & obsessed.
John Berryman
¶ 3 de Janeiro de 2009
You can have the other words - chance, luck, coincidence,
serendipity. I'll take grace. I don't know what it is exactly, but
I'll take it.
Mary Oliver
¶ 3 de Janeiro de 2009
(...)
o mar do sem música
o mar do mais do que sou
o mar do mais alto e do mais profundo
do dano e erro
fibras de som
o mar como os olhos: lonjura na invenção
o rumo é a referência da perda
Márcio André
¶ 2 de Janeiro de 2009
do diálogo
¶ 2 de Janeiro de 2009
dia: olha as árvores restantes
em busca do mágico canto
dos pássaros
noite: sabe insone o dia passado
entre concretos e negros asfaltos
onde morrem pássaros e árvores
repete: entre dias e noites sua espera
desperta sentimentos e tristezas
com que não se alimenta ou vê
pássaros: lembra o voo altivo do albatroz
em busca da força e vida no que encontra
caça e come em ondas calmas
árvores: ao lado da casa do outro lado da rua
alguém derrubou a árvore restante e a cortou
em pedaços agora carregados para longe.
Pedro Du Bois
¶ 2 de Janeiro de 2009
(gentileza de Amélia Pais)
As minhas três irmãs estão sentadas
sobre rochas de obsidiana preta.
Pela primeira vez, a esta luz, consigo ver quem são.
A minha primeira irmã está a coser o fato para a procissão.
Vai vestida de Senhora Transparente
e todos os seus nervos estarão à vista.
A minha segunda irmã também está a coser
sobre a ferida do peito, que nunca cicatrizou completamente.
Espera, enfim, aliviar este aperto no coração.
A minha terceira irmã está a contemplar
uma crosta vermelho-escura que a ocidente se estende ao longe sobre o mar.
Tem as meias rotas mas é formosa.
Adrienne Rich, trad. Margarida Vale do Gato
¶ 2 de Janeiro de 2009
Recostada sobre arenas mentales, invisible hora
Adornada de terrores, de secretos, de páginas verdes por el alba.
Entre espumas del cuerpo, en constante trabajo desde que la
noche se cierra,
a tientas entre las débiles llamas que vienen de lo no siempre
olvidado.
Dulce animal de distintos vestidos incorporados al sueño,
Propietario de olas, de selvas sumergidas, de almacenes de corales,
Casi siempre a punto de morir en el pecho poético del hombre,
Tan inclinado hacia el amor como que sientas palomas sobre sus
rodillas.
Me parece reconocer el aire que trae esas ondas, este ruido de maderas.
Sueños construidos al borde de ciertas hojas que saben sonreír,
Entre animales e insectos, entre nadadores terrestres,
Cerca del abismo donde duermen los ángeles asesinados.
Entre climas mentales, invisible tiempo,
Poseído de mis mensajes, de mis pruebas, de mis deseos sobre espinas.
Sin celestes alarmas, sin el olor blanco de las leyes.
Dispuesto a los llamados, a las nocturnas experiencias,
Al terror de las manos volcadas sobre los objetos,
A la súbita fuga de las abejas de cenizas en los sueños perdidos.
Rosamel del Valle
¶ 2 de Janeiro de 2009
outro rio
¶ 2 de Janeiro de 2009
a construção do eco
tijolo por tijolo de escuro
a cortina embebe o sentido
se embota em silêncios taciturnos
dois mil passos até a casa
a rua em quase solidão
pisar na manhã molhada
a madrugada urde fumaças
chaminés são quase árvores
rouba-se o tempo de uma lágrima
tempo dos que já se foram
a lama da ordem chama-se caos
lembrar é já ter esquecido
a chave preciosa enche a manhã
Edson Bueno de Camargo
¶ 1 de Janeiro de 2009
ano novo
¶ 1 de Janeiro de 2009
A noite é negro-azul furada pelos
Brilhos finos e límpidos dos astros.
Círios, cristais, pórfiros, alabastros
Sons de violinos e de violoncelos.
Em suas paredes sobem setestrelos
Buscando, fascinado, nos seus rastros
Além das luzes rubras de altos mastros
Segue este amor, dos mais puros e belos...
Mais tarde, o amor apaga todos os brilhos,
Sopra forte e tenaz, navega os trilhos
Dos prédios, ondulando as doces águas.
E Amor perdura, e clara imagem cresce
Na ventania que não arrefece
Na noite negro-azul, pura e sem mágoas...
Áureo Mello
¶ 1 de Janeiro de 2009
De haber soñado
contigo la noche entera,
cantando me he despertado.
Cantando como si hubiera
dormido en medio de un prado
con toda la primavera
y todo el cielo estrellado.
Jorge Vocos Lescano