Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de abril 2008


30 de Abril de 2008

Ukiyo-e

yukyhoeos9.jpg noites longas


30 de Abril de 2008

Da sorte

Quem disse alguma vez que há deuses lá nos céus? Não há, não há, não há. Não deixem que ninguém, mesmo crente sincero nessas velhas fábulas, com eles vos engane e vos iluda ainda, Olhai o que acontece, e dai a quanto digo a fé que isto merece: eu afirmo que os reis matam, roubam, saqueiam à traição cidades e, assim fazendo, vivem muito mais felizes que quantos dia a dia pios são e justos. Quantas nações pequenas, bem fiéis aos deuses, sujeitas são dos ímpios com poder e força, vencidas por exércitos que as escravizam. E vós, se em vez de trabalhar rezais aos deuses, e deixais de lutar para ganhar a vida, aprendereis que os deuses não existem. Que todas as divindades significam só a sorte, boa ou má, que temos neste mundo. Eurípedes, trad. de Jorge de Sena


30 de Abril de 2008

Por onde passo

por onde eu passo passou o ferro em brasa e os olhos roídos pelo fogo das lágrimas passaram pelo sangue e o leão ó rígido nenhum vento estremeceu mais para dentro da noite que a divida obscura o mercado do sol entrou no quarto e o quarto na cabeça cheia de zumbidos amadurecer as iscas do desalento que gente mais timorata atirou ao chão quente desfalecer de uma noite de trabalho viver toda a sua indiferença e tão calma a noite enquanto ainda caminha na embriaguez embrulha-se na cidade nas plantas uma invisível mão me empurra selvagem pelos velhos caminhos dos jardineiros onde vibram as notícias se reviram os canteiros onde ainda lágrimas se tiram e há ferros a torcer no inverno Tristan Tzara (ou Sami Rosenstock)


29 de Abril de 2008

Ukiyo-e

Shamisen1.jpg toda a gueixa deve saber tocar o shamisen...


29 de Abril de 2008

um som profundo do Outono

Como a floresta, faz de mim a tua lira importa que também as minhas folhas caiam o tumulto das tuas poderosas harmonias virá arrancar-nos um som profundo do Outono suave, apesar da sua tristeza Percy Bysshe Shelley


29 de Abril de 2008

Anónimo

ganti%20di%20Tito.jpg mas barroco, para além de qualquer dúvida razoável...


29 de Abril de 2008

The world is a mist

The roaring alongside he takes for granted, and that every so often the world is bound to shake. He runs, he runs to the south, finical, awkward, in a state of controlled panic, a student of Blake. The beach hisses like fat. On his left, a sheet of interrupting water comes and goes and glazes over his dark and brittle feet. He runs, he runs straight through it, watching his toes. --Watching, rather, the spaces of sand between them where (no detail too small) the Atlantic drains rapidly backwards and downwards. As he runs, he stares at the dragging grains. The world is a mist. And then the world is minute and vast and clear. The tide is higher or lower. He couldn't tell you which. His beak is focussed; he is preoccupied, looking for something, something, something. Poor bird, he is obsessed! The millions of grains are black, white, tan, and gray mixed with quartz grains, rose and amethyst. Elizabeth Bishop


28 de Abril de 2008

Ukiyo-e

ukiyo-18-sm.jpg à procura de um sonho


28 de Abril de 2008

Quase na hora do sono...

(gentileza de Amélia Pais) Estão ainda aos bocejos, os meus versos. Nunca me habituarei a isto. Eles habitaram aqui tempo que chegasse. E agora chega. Ponho-os fora de casa, não vou esperar até os dedos dos pés lhes esfriarem. Sem o incómodo do seu confuso esbracejo, quero escutar o zumbido do sol ou o do meu coração, essa traiçoeira esponja a endurecer. Os meus versos não fornicam à moda clássica. Balbuciam ordinarices ou vociferam com dignidade exagerada. No Inverno, racham-lhes os lábios, na Primavera, estendem-se por terra aos primeiros calores, atrapalham o meu Verão e no Outono cheiram a mulheres. Chega. Durante mais doze versos nesta página esqueço-lhes as traquinices e em seguida um pontapé no cu. Vão maçar para outro sítio, rimas de tostão, vão tremer para outra parte por causa de doze leitores e de um crítico a ressonar. Ide agora, versos meus, nos vossos pés ligeiros, não calcastes com força o velho chão onde as sepulturas riem vendo os hóspedes, um cadáver sobre o outro amontoado. Ide agora, e cambaleai na direcção daquela que eu desconheço. Hugo Claus, trad. de Fernando Venâncio


28 de Abril de 2008

Ukiyo-e

Ukiyoe-5.jpg 2ª feira, ou o mundo lá fora


28 de Abril de 2008

Labirinto

Não me ofereça o paraíso. Andar para cima e para baixo é o que quero. Esperar o dia parir o sol, sentir a minha pele tostar nas plagas dos sertões. Não me ofereça o infinito. Quero o seixo da estrada. Dar o passo e levantar poeira – me confundir na poeira. Quero todas as formas e amanhã ser informe. Sim, sei das topadas, dos calos, do estrume. Não me iludo. Mas sempre estarei pronto para me levantar. As cicatrizes contam histórias que gosto de escutar: me reconheço nelas, e choro e canto e fico feliz quando a lua estampa um sorriso na boca da noite: ali sou eu quem sorri. Olho para o céu e vejo um caminho de estrelas. E além e além e muito além de todas as coisas, sonho que sou o seixo, a estrela. E assim sou uniforme. José Inácio Vieira de Melo


27 de Abril de 2008

Nossa truculência

Quando penso na alegria voraz com que comemos galinha ao molho pardo, dou-me conta de nossa truculência. Eu, que seria incapaz de matar uma galinha, tanto gosto delas vivas mexendo o pescoço feio e procurando minhocas. Deveríamos não comê-las e ao seu sangue? Nunca. Nós somos canibais, é preciso não esquecer. E respeitar a violência que temos. E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo, comeríamos gente com seu sangue. Minha falta de coragem de matar uma galinha e no entanto comê-la morta me confunde, espanta-me, mas aceito. A nossa vida é truculenta: nasce-se com sangue e com sangue corta-se a união que é o cordão umbilical. E quantos morrem com sangue. É preciso acreditar no sangue como parte de nossa vida. A truculência. É amor também. Clarice Lispector


27 de Abril de 2008

César Marco Aurélio Antonino Augusto

C%C3%A9sar%20Marco%20Aur%C3%A9lio%20Antonino%20Augusto.jpg Imperator Caesar Marcus Aurelius Antoninus Augustus, nascido a 26 de Abril de 121 e falecido em 17 de Março de 180 "O que a natureza do Universo mais ama é transformar coisas que existem e criar novas coisas como elas. Pois tudo que existe é, de algum modo, a semente daquilo que será."


27 de Abril de 2008

Ideal

A virtude de Marco Aurélio Antonino era de um tipo mais austero e elaborado. Tratava-se do bem merecido fruto de muitas prelecções eruditas, de muitas leituras pacientes e de muitas elucubrações nocturnas. Aos doze anos adoptou o rígido sistema dos estóicos, que lhe ensinou a submeter o corpo à mente, e as paixões à razão; aconsiderar a virtude como o único bem, o vício como o único mal, e todas as coisas exteriores como indiferentes. (...) Foi severo para si próprio, indulgente ante as imperfeições dos outros, justo e beneficiente para toda a humanidade. Edward Gibbon, in Declínio e Queda do Império Romano, ed. D. M. Low, trad. Maria Emília Ferros Moura


27 de Abril de 2008

A great Hope fell

A great Hope fell You heard no noise The Ruin was within Oh cunning wreck that told no tale And let no Witness in The mind was built for mighty Freight For dread occasion planned How often foundering at Sea Ostensibly, on Land A not admitting of the wound Until it grew so wide That all my Life had entered it And there were troughs beside A closing of the simple lid That opened to the sun Until the tender Carpenter Perpetual nail it down— Emily Dickinson


27 de Abril de 2008

Ukiyo-e

ukiyo-3-sm.jpg beleza reflexa


27 de Abril de 2008

Da esperança

Bate a esperança a esperança bate crio este refrão: a esperança bate busco a rima inútil a pancada do coração a esperança bate e eu escuto vou além do fútil corro o horizonte que não vai além de livros e papéis espalhados teus olhos surgem/ fogem de mim flores que eu queria em nenhum jarro cato-os, migalhas sobre a mesa coloco-os no papel a luz acesa enxergo tua boca agora de frente beijo a parede tudo está fechado portas e janelas tenho as chaves mas estou emparedado a esperança bate vou atender: era engano; volto a ler os anos as imagens voltam como ondas furiosas atrás de mim perguntando-me de mim rindo de mim eu não digo nada a esperança bate tem dias em que não quero franzir a testa por isso não penso nem vou ver o sol cubro o espelho e deito-me o vento anuncia teu perfume abro a porta sorrateiramente tu entras vestida de ilusão ou sou eu que me iludo dá no mesmo a noite paira, pairo sobre ela sentado, remexendo papéis minha vida é feita de papéis a sorte um dia disse que vinha todos esperaram na cidade a esperança bate minh’alma de sonhar-te anda perdida e a esperança bate florbelamente em meu peito ser herói seria bom tantas vidas revistas, fitas coloridas álbum de figuras... hoje perdi as andorinhas mas a esperança bate amanhã chego cedo no portão espero que uma delas pouse no muro e me leve para ti. Carlos Gildemar Pontes


27 de Abril de 2008

Bálsamo

Fosse o hálito dos tigres bálsamo e reconciliasse a carne pântana que recobre como fios de amianto esse interior em que vive estrangeiro de si mesmo isso que parece ser o ser humano E findasse esse exílio Carlos Figueiredo


27 de Abril de 2008

Amanhecimento

De tanta noite que dormi contigo no sono acordado dos amores de tudo que desembocamos em amanhecimento a aurora acabou por virar processo. Mesmo agora quando nossos poentes se acumulam quando nossos destinos se torturam no acaso ocaso das escolhas as ternas folhas roçam a dura parede. nossa sede se esconde atrás do tronco da árvore e geme muda de modo a só nós ouvirmos. Vai assim seguindo o desfile das tentativas de nãos o pio de todas as asneiras todas as besteiras se acumulam em vão ao pé da montanha para um dia partirem em revoada. Ainda que nos anoiteça tem manhã nessa invernada Violões, canções, invenções de alvorada... Ninguém repara, nossa noite está acostumada. Elisa Lucinda


26 de Abril de 2008

Felicidade, o que é?

Felicidade, o que é?... Desistir da corrida dos renegados, Tal como da antiga corrida dos homens, Lavrar campos ancestrais com as parelhas de bois de nossa pertença, Sermos poupados ao terror dos saques, Sem soldados nem o sangue a fervilhar quando repica a trombeta feroz, Sem tremer perante o mar irado. Horácio, in Rubicão, de Tom Holland, trad. Graça Caldeira


26 de Abril de 2008

Hiroshige

Ando%20Hiroshige.jpg azul em pleno


26 de Abril de 2008

Cerejeira em flor

Voltei ontem à terra e havia eucaliptos no lugar dos pinheiros onde costumávamos pendurar os baloiços. Atravessei em ponto morto a estrada principal, as casas velhas mais velhas e as vivendas novas com crianças desconhecidas à porta. Dois miúdos brincavam perto da escola, agora cercada por um gradeamento em ferro, e um espasmo medular revelou-me de novo a indistinta proximidade entre a inocência e as prisões do homem. Havia também cerejeiras e pessegueiros em flor no quintal da casa que fora já da nossa família. Estudei as pessoas que lá vivem e prometi reavê-la um dia. Lembrei-me dos ciclos da natureza. Quando chovia como ontem, no princípio da Primavera, o quintal ficava repleto de laranjas e depois um verde molhado escorria pelas encostas até bem perto de nós e um sopro de juventude alastrava-se pela superfície da terra. Hoje entrei no carro de manhã cedo para voltar à cidade onde fervilham as minhas fantasias de adulto, atravessei em ponto morto a estrada principal, olhei as casas e as crianças, e quando contornei a derradeira curva reparei que levava no lugar do meu corpo uma cerejeira em flor. Paulo Tavares


26 de Abril de 2008

The Lightning is a yellow Fork

The Lightning is a yellow Fork From Tables in the sky By inadvertent fingers dropt The awful Cutlery Of mansions never quite disclosed And never quite concealed The Apparatus of the Dark To ignorance revealed. Emily Dickinson


26 de Abril de 2008

Rossetti

345px-Rossetti_Annunciation.jpg anunciação, ou do susto perante o inesperado


26 de Abril de 2008

Ela

Ela passava -cerimoniosamente- as páginas de um jornal -um jornal em espanhol, comprado em Victoria Station. Ele olhava pela janela para os últimos bairros, a cidade apagando-se por detrás, a precária luz de outono. Ela lia -minuciosamente- as páginas de necrologia, ele olhava agora o campo: cavalos e ovelhas, o vento nos ramos, paisagens de Constable. Ela comentava histórias de imprensa, os casos do dia, ele recordava uma criança atónita, em silêncio, -havia séculos-numa casa de Eaton Square. Noutro tempo, com outra mulher, a passagem do Tamisa na margem cinzenta. Passavam as páginas do jornal e passavam corpos e camas, uma mulher despida que se ria com hálito de vodka e tabaco. O comboio chegava ao seu destino e ela acabou a leitura. Debaixo do assento daquele comboio -entre Londres e Dover- ficaram abandonados um amarrotado jornal em desordem e cinquenta anos da vida de um homem. Juan Luís Panero, trad. de Joaquim Manuel Magalhães


25 de Abril de 2008

A Casa

A recordação da casa indiferente ao mundo de hoje. O dizer as coisas sem necessidade. A ocasião do ladrão em disparada. O olho do dragão de jade. Pela janela vislumbro o tempo: a imobilidade. Rosto colado ao vidro me desenho ao fora. O projeto da casa não concluída. O sonho recomposto ao gesto habitual da espera. O discurso e o método aprisionado em calma: a colina transposta em luzes. Recordo o dia da partida: o tempo chuvoso o calor aproximado o abraço e o beijo. A recordação da casa indiferente ao todo começado. Pedro Du Bois


25 de Abril de 2008

William Etty

Etty_Study_of_a_peacock_1826.jpg pavão, ave vulgar nos tempos que correm...


25 de Abril de 2008

Não me importo com as rimas

Não me importo com as rimas. Raras vezes Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra. Penso e escrevo como as flores têm cor Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me Porque me falta a simplicidade divina De ser todo só o meu exterior Olho e comovo-me, Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado, E a minha poesia é natural como o levantar-se vento... Alberto Caeiro


25 de Abril de 2008

Ode

Aos deuses, Nunca tarda, A dádiva pedida... Passem-se os anos: Não tardará O que nunca tarda. Em breve, Sobre o campo seco, O amanhecer da chuva. Daniel Mazza


25 de Abril de 2008

25 de Abril (sem o qual certamente não seria quem sou)

Quis saber quem sou O que faço aqui Quem me abandonou De quem me esqueci Perguntei por mim Quis saber de nós Mas o mar Não me traz Tua voz. Em silêncio, amor Em tristeza e fim Eu te sinto, em flor Eu te sofro, em mim Eu te lembro, assim Partir é morrer Como amar É ganhar E perder Tu vieste em flor Eu te desfolhei Tu te deste em amor Eu nada te dei Em teu corpo, amor Eu adormeci Morri nele E ao morrer Renasci E depois do amor E depois de nós O dizer adeus O ficarmos sós Teu lugar a mais Tua ausência em mim Tua paz Que perdi Minha dor que aprendi De novo vieste em flor Te desfolhei… E depois do amor E depois de nós O adeus O ficarmos sós letra de José Niza e música de José Calvário, cantada por Paulo de Carvalho


24 de Abril de 2008

Deuses

O que significa: Dinheiro? Ter. Deus? Crer. Homem? Ser. Ou será: Dinheiro? Crer. Deus? Ser. Homem? Ter. Ou ainda: Dinheiro? Ser. Deus? Ter. Homem? Crer. Francijési Firmino


24 de Abril de 2008

Explicação da Luz

O azulejo lava a sua luz Tem o brilho Do movimento exacto Dos seus vestidos E o seu rosto é limpo. Com as suas próprias mãos Sem acabar se acaricia A luz lava o brilho Do azulejo. A luz o lava No seu vestido E o seu rosto é um. Com as próprias mãos O quebra e inicia Daniel Faria


24 de Abril de 2008

Umashankar Sharma

Umashankar%20Sharma.gif miniatura ao estilo do Rajastão


24 de Abril de 2008

Oscilações na Linha Tênue da Loucura

O impulso fazia de mim avulso. Depois cedi ao pulso e ele me mantinha aqui assim. O discurso que me possui agora é outro; é o torto de volta à superfície. Daniel Loureiro


23 de Abril de 2008

Lorenzo Lotto

Lorenzo%20Lotto%20-%20Venus%20and%20Cupid.JPG uma vénus veneziana


23 de Abril de 2008

Exercícios Reais

Eu não gostava de ser rei. Os reis praticamente não têm vida própria. Têm sempre que ter juízo, têm sempre que prestar atenção. E não se pode estar sempre com atenção. Sempre a cumprimentar. Máquina de cumprimentos. Máquina de apertar mãos. Não pode calçar quaisquer sapatos. Ele bem queria os azuis. Mas não pode. Porque tem de calçar os castanhos. Houve alguém que inventou isto. Tomam conta do rei. E também ele toma conta de si. Para não sujar a camisa. Tem logo que vestir outra. Da reserva. Camisas de serviço. Tem à mão a reserva. Nem uma pedrinha pode ter na sopa. No entanto, uma vez encontrou uma no puré de legumes. O cozinheiro ficou tramado. Não o tramem. No fundo, o rei sentiu-se feliz por encontrar uma pedra no puré de legumes. Não tinha ideia de encontrar fosse o que fosse no puré de legumes. E logo uma pedra! Até que enfim, alguma coisa lhe aparecia na sopa. Enfim, alguma coisa. Aconteceram coisas. É certo que quase cuspiu um dente. Esteve quase para partir um dente. E afinal não partiu. Ficou a abanar, mas ficou lá. Chamaram o cozinheiro. Mostraram-lhe a pedra. Dias a fio o pobre cozinheiro andou mesmo desesperado. Ainda bem que nada de mal aconteceu. Rapidamente tudo foi esquecido. Esqueceram. Este caso também. E não se falou mais nisso. Endre Kukorelly


23 de Abril de 2008

Quase um poema de amor

Há muito tempo já que não escrevo um poema De amor. E é o que eu sei fazer com mais delicadeza! A nossa natureza Lusitana Tem essa humana Graça Feiticeira De tornar de cristal A mais sentimental E baça Bebedeira. Mas ou seja que vou envelhecendo E ninguém me deseje apaixonado, Ou que a antiga paixão Me mantenha calado O coração Num íntimo pudor, Há muito tempo já que não escrevo um poema De amor Miguel Torga


23 de Abril de 2008

Para adorar o que queimei

(gentileza de Amélia Pais, no Dia Mundial do Livro de 2008) Há livros que lemos sentados num banquinho diante de uma carteira escolar. Há livros que lemos andando (e também por causa do formato); Uns são para as florestas e outros para outros campos, Et nobiscum rusticantur, diz Cícero. Alguns há que li na diligência; Outros, deitado no fundo dos celeiros de feno. Há os para fazer crer que temos uma alma; Outros, para desesperá-la. Há os em que se prova a existência de Deus; Outros, em que não se consegue fazê-lo. Há livros que não é possível admitir senão em bibliotecas particulares. Há os que receberam elogios de muitos críticos autorizados. Alguns há em que só se trata de apicultura, que certas pessoas acham algo especializados; noutros fala-se tanto da natureza que não vale mais a pena passear depois. Outros há que os homens sensatos desprezam mas que excitam as criancinhas. A alguns chamam antologias e neles incluíram tudo o que de melhor se disse a propósito de tudo. Há os que desejariam fazer-nos amar a vida; outros depois dos quais o autor suicidou-se. Alguns semeiam o ódio e colhem o que semearam. Alguns, quando os lemos, parecem brilhar, carregados de êxtase, deliciosos de humildade. Há os que amamos como irmãos mais puros e que viveram melhor do que nós. E os há impressos em caracteres extraordinários e que não compreendemos, mesmo depois de tê-los estudado muito. Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael! Alguns há que não valem um vintém furado, outros alcançam preços consideráveis. Alguns falam de reis e de rainhas e outros de gente muito pobre. Alguns há cujas palavras são mais suaves do que o ruído das folhas ao meio-dia. Foi um livro que João comeu em Patmos como um rato; mas eu prefiro as framboesas. Isso encheu-lhe as entranhas de amargura e ele teve depois muitas visões. Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael! André Gide


23 de Abril de 2008

Fragmento

(...) assim prossegue caminho aquele que não aprendeu a ler nos relógios assim se esquece a vida na urgência dos pulsos ele hesita recua pondera a situação mas nenhum grito o detém o crime de escrever fascina-o a adolescência sumiu-se entre a noite e a alba frágil fio de água suspenso na luz lago minúsculo sedução do pólen serenidade da pétala misturando-se ao estrume misterioso rumor alquímico do ouro a obra é construída na paciência do sangue rubra cicratiz de tinta insónia do sexo corpo em transumante vigília morte dissolvida na cinza dos dias a pouco e pouco ele contrói um subterrâneo em vidro gasta o tempo incomensurável da solidão explora filões de preciosos minerais avança até ao início remoto da água toca a ferida pedra do coração da terra dele crescem a desolação e a incerteza dele irrompem a queda da voz e o voo das aves a palavra ainda intacta e não cansada mas de metáfora em metáfora ficou adulto para sempre o subterrâneo de vidro é um estilhaço ficou-lhe a ilusão de nele ter vivido e sonhado as horas sem ninguém sem paixão enquanto todo o texto se cobre de ferrugem e envelhece com ele Al Berto


22 de Abril de 2008

Parmigianino

parmigianino.jpg Girolamo Francesco Maria Mazzola e a estética maneirista


22 de Abril de 2008

Vocês não sabem

(gentileza de Amélia Pais) Vocês não sabem mas todas as manhãs me preparo para ser, de novo, aquele homem. Arrumo as aflições, as carências, as poucas alegrias do que ainda sou capaz de rir, o vinagre para as mágoas e o cansaço que usarei mais para o fim da tarde. À hora do costume, estou no meu respeitoso emprego: o de Secretário de Informação e de Relações Públicas. Aturo pacientemente os colegas, felizes em seus ostentosos cargos, em suas mesas repletas de ofícios, os ares importantes dos chefes meticulosamente empacotados em seus fatos, a lenta e indiferente preguiça do tempo. Todas as manhãs tudo se repete. O poeta Eduardo White se despede de mim à porta de casa, agradece-me o esforço que é mantê-lo alimentado, vestido e bebido (ele sem mover palha) me lembra o pão que devo trazer, os rebuçados para prender o Sandro, o sorriso luzidio e feliz para a Olga, e alguma disposição da que me reste para os amigos que, mais logo, possam eventualmente aparecer. Depois, ao fim da tarde, já com as obrigações cumpridas, rumo a casa. À porta me esperam a mulher, o filho e o poeta. A todos cumprimento de igual modo. Um largo sorriso no rosto, um expresso cansaço nos olhos, para que de mim se apiedem e se esmerem no respeito, e aquele costumeiro morro de fome. Então à mesa, religiosamente comemos os quatro o jantar de três (que o poeta inconsta na ficha do agregado). Fingidamente satisfeito ensaio um largo bocejo e do homem me dispo. Chamo pela Olga para que o pendure, junto ao resto da roupa, com aquele jeito que só ela tem de o encabidar sem o amarrotar. O poeta, visto-o depois e é com ele que amo escrevo versos e faço filhos. Eduardo White


21 de Abril de 2008

Piazza di Pietra

piazza%20di%20pietra.bmp Roma, ainda


21 de Abril de 2008

Na Sala

Ouvia-se o barulho do mar à noite. Talvez não estivesse ninguém na praia (que poderia alguém estar a fazer, numa praia, à noite?) - mas era como se o barulho do mar tivesse, por trás, as vozes de alguém que contasse uma história de viagens e de ventos. Onde se estava bem, no entanto, era dentro de casa, onde o barulho do mar parecia trazer as conversas de alguém, na praia, com o vento. É verdade que a janela estava aberta e, por trás do muro de pedra e das árvores, a luz de um candeeiro chegava até à praia onde não devia estar ninguém, nessa noite de ondas e de vento. Podia ser o tempo das férias com efeito, era o tempo em que se tinha férias sem se saber bem qual a distinção entre o tempo de férias e o outro tempo. O que se sabia, por outro lado, era se estava alguém na praia ou não e, de noite, ninguém devia estar na praia, embora o vento trouxesse um ruído de conversas que se confundia com o barulho do vento. Nuno Júdice


20 de Abril de 2008

Rutilância

Porque o mundo é mesmo tão imenso e meu coração tão só um desastrado; porque imensa é a alma, e o corpo só um relato; porque não estamos aqui para um simples papo, mas para morrer como todos o fazem: eis que digo a mim mesmo: sê forte; mas também digo: sê fraco, pois tudo é rutilância e nós, passantes, com nossa pressa e gula para nada. Mas justo porque o mundo é mesmo imenso e imensa é a alma, eis que escrevo e escrevo e escrevo e escrevo. Por certo, para nada. Sim. Por certo, para nada. Antonio Brasileiro


20 de Abril de 2008

Palácio do Quirinal

IMG_2500.JPG a perfeição nas alturas


20 de Abril de 2008

Preferência

Prefiro rosas, meu amor, à pátria, E antes magnólias amo Que a glória e a virtude. Logo que a vida me não canse, deixo Que a vida por mim passe Logo que eu fique o mesmo. Que importa àquele a quem já nada importa Que um perca e outro vença, Se a aurora raia sempre, Se cada ano com a Primavera As folhas aparecem E com o Outono cessam? E o resto, as outras coisas que os humanos Acrescentam à vida, Que me aumentam na alma? Nada, salvo o desejo de indiferença E a confiança mole Na hora fugitiva. Ricardo Reis


20 de Abril de 2008

Arco de Constantino

IMG_2466.JPG fragmento dentro do arco de tempo


19 de Abril de 2008

Vagabundo

Eat, drink, and love; what can the rest avail us? Lord Byron in Don Juan Eu durmo e vivo ao sol como um cigano, Fumando meu cigarro vaporoso; Nas noites de verão adoro estrelas; Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso! Ando roto, sem bolsos nem dinheiro; Mas tenho na viola uma riqueza: Canto à lua de noite serenatas, E quem vive de amor não tem pobreza. Não invejo ninguém, nem ouço a raiva Nas cavernas do peito, sufocante, Quando à noite na treva em mim se entornam Os reflexos do baile fascinante. Namoro e sou feliz nos meus amores; Sou garboso e rapaz...Uma criada Abrasada de amor por um soneto Já um beijo me deu subindo a escada... Oito dias lá vão que ando cismando Na donzela que ali defronte mora. Ela ao ver-me sorri tão docemente! Desconfio que a moça me namora... Tenho por meu palácio as longas ruas; Passeio a gosto e durmo sem temores; Quando bebo, sou rei como um poeta, E o vinho faz sonhar com os amores. O degrau das igrejas é meu trono, Minha pátria é o vento que respiro, Minha mãe é a lua macilenta, E a preguiça a mulher por quem suspiro. Escrevo na parede as minhas rimas, De painéis a carvão adorno a rua; Como as aves do céu e as flores puras Abro meu peito ao sol e durmo à lua. Sinto-me um coração de lazzaroni; Sou filho do calor, odeio o frio, Não creio no diabo nem nos santos... Rezo à nossa senhora e sou vadio! Ora, se por aí alguma bela Bem doirada e amante da preguiça Quiser a nívea mão unir à minha, Há de achar-me na Sé, domingo, à missa Álvares de Azevedo


19 de Abril de 2008

Para alguns

Para alguns - não é lei. Na hora de cumprir O sono justo, quase santo, Para alguns não há dormir: Olho aceso - e no recesso Da pétala: não és tu! Para alguns - não é norma: Na hora de dessedentar As bocas da discórdia - Para alguns não há beber: Mente acesa - e os punhos Cerrados - nas areias! Para alguns, sem a evasiva - Custa caro a vida. Marina Tzvietáieva, trad. de Felipe e Nina Guerra


19 de Abril de 2008

Palácio do Quirinal

IMG_2526.JPG quem espreita entre as colunas pintadas na parede da sala imensa? quem engana o tromp l'oeil?


19 de Abril de 2008

Os Escribas

(gentileza de Amélia Pais) Nunca senti por eles grande entusiasmo. Se eram excelentes eram também petulantes e de um trato tão espinhoso como o azevinho de que extraíam a tinta. E se nunca fui um deles também é certo que nunca me puderam negar o meu lugar. Na quietude do scriptorium crescia neles a todo o tempo uma pérola negra como o velho coágulo seco por dentro das penas. À margem de textos laudatórios arranhavam, esgadanhavam. Rosnavam se o dia estava escuro ou se giz a mais amolecera o vellum ou giz a menos o deixara oleoso. Sob os dorsos da caligrafia arrebanhavam rancores míopes. Sementes de ressentimento ponteavam-lhes as espirais de fetos das maiúsculas. De vez em quando eu tinha um sobressalto a milhas de distância, e via na minha ausência o cursivo inclinado de cada dorso, e sentia-os a aperfeiçoarem-se contra mim, página a página. Que se recordem deste contributo não desprezível para a sua arte de invejas. Seamus Heaney


18 de Abril de 2008

Dolci notti

roma-a-noite.jpg o Tibre na bravura da noite


18 de Abril de 2008

Partir

Sinto a hora: a partida invade a espera despedaçada. Retornar é o remédio na prescrição do entorno. Sou assim, errante colocado sobre cidades emparedadas: sonho idas e desprezo voltas. Tortos ângulos tergiversam respostas: a aposta se distancia e me perco em cartas mal amadas. Pedro Du Bois


17 de Abril de 2008

Roma

Rome_01.jpg pena o céu não estar tão azul.


17 de Abril de 2008

Mar bravio

És mar bravio. És mundo, imensidão, em meu deserto, és luz do sol a pino: és música que encanta. E este menino a ti pertence; e em ti, é coisa pouca, não mais do que um vestígio do que outrora um homem se chamou. E nele, agora, não há nada de homem, nem de fera: há apenas uma turva e doce espera por ti. E por teu corpo. E por tua alma: Senhora, só teu beijo embebe e acalma este homem que por ele implora, louco, e tanto que seu canto é fraco e rouco. Henrique Marques Samyn


16 de Abril de 2008

Veneno

a poesia envenenou-me já não há mais tempo a lua investirá com seus chifres e as cebolas no escuro despertarão o olho do coração da cadeira de balanço a Paciência contempla a penugem dourada das horas enquanto um gato dorme sobre sua cabeça uma tempestade de diamantes arremessará suas flechas sobre o Estreito de Magalhães exatamente assim passará um milênio Ruy Proença


16 de Abril de 2008

Roma

piccole%20storie%20su%20roma.bmp eterna, como as suas piccole storie...


16 de Abril de 2008

From An Atlas Of The Difficult World II

I know you are reading this poem by the light of the television screen where soundless images jerk and slide while you wait for the newscast from the intifada. I know you are reading this poem in a waiting-room of eyes met and unmeeting, of identity with strangers. I know you are reading this poem by fluorescent light in the boredom and fatigue of the young who are counted out, count themselves out, at too early an age.I know you are reading this poem through your failing sight, the thick lens enlarging these letters beyond all meaning yet you read on because even the alphabet is precious. I know you are reading this poem as you pace beside the stove warming milk, a crying child on your shoulder, a book in your hand because life is short and you too are thirsty. I know you are reading this poem which is not in your language guessing at some words while others keep you reading and I want to know which words they are. I know you are reading this poem listening for something, torn between bitterness and hope turning back once again to the task you cannot refuse. I know you are reading this poem because there is nothing else left to read there where you have landed, stripped as you are. Adrienne Rich


16 de Abril de 2008

Ukiyo-e

Ukiyoe-40.jpg pronta para sair


16 de Abril de 2008

Presença no dia

Eu fui Eu fui apenas a amiga daquele anunciado à luz das águas tão claras sua presença no dia sobre o corpo tatuado os arabescos de fera no pasto Assim veio-me ele belo e impulsivo no rastro Terêza Tenório


15 de Abril de 2008

From An Atlas Of The Difficult World I

I know you are reading this poem late, before leaving your office of the one intense yellow lamp-spot and the darkening window in the lassitude of a building faded to quiet long after rush-hour.I know you are reading this poem standing up in a bookstore far from the ocean on a grey day of early spring, faint flakes driven across the plains' enormous spaces around you. I know you are reading this poem in a room where too much has happened for you to bear where the bedclothes lie in stagnant coils on the bed and the open valise speaks of flight but you cannot leave yet.I know you are reading this poem as the underground train loses momentum and before running up the stairs toward a new kind of love your life has never allowed. Adrienne Rich


15 de Abril de 2008

Receitas

O pensamento povoa a mente dissolvido em água com três pitadas de sal desmanchado o sentido emborca o corpo: estivesse dormindo sua morte espouca em alaridos misturada à água com três pitadas de sal revigorada a memória lembra a lesma vagarosa que habitava o jardim desmanchada em água com três pitadas de sal. Pedro Du Bois


14 de Abril de 2008

Ukiyo-e

Ukiyoe-25.jpg mais um dia (ou menos um dia, de acordo com o ângulo de observação dos grãos de areia...)


14 de Abril de 2008

Interlude

When I have baked white cakes And grated green almonds to spread upon them; When I have picked the green crowns from the strawberries And piled them, cone-pointed, in a blue and yellow platter; When I have smoothed the seam of the linen I have been working; What then? To-morrow it will be the same: Cakes and strawberries, And needles in and out of cloth. If the sun is beautiful on bricks and pewter, How much more beautiful is the moon, Slanting down the gauffered branches of a plum-tree; The moon Wavering across a bed of tulips; The moon, Still, Upon your face. You shine, Beloved, You and the moon. But which is the reflection? The clock is striking eleven. I think, when we have shut and barred the door, The night will be dark Outside. Amy Lowell


14 de Abril de 2008

Épocas

Desdobrada vida: introduzida época de conquista: medos e persas em desabalada fuga - o egípcio olha com desdém e desgosto - dos hinos e cânticos escondidos em escuras roupas e promessas não alcançadas: ao credo fé e enlace entre a história e os vencedores das batalhas em corpos mutilados e destroços céticos: em nada acreditaram os deuses desde o exílio houvesse a volta e o planeta - mágica e mistério - tomasse outro rumo alterasse o prumo e o eixo endireitasse: o fogo e as trevas em desdobramentos de inépcias conhecidas. Pedro Du Bois


13 de Abril de 2008

Kalamkari

kalamkari2006.jpg cores quentes


13 de Abril de 2008

A Boa Luta

Por tudo isso lutamos nossas cantorias diariamente estendemos glórias em caminhos rápidos e desaprendemos os mistérios; retornamos o necessário ao reconhecimento e voltamos ao desconhecido: lutar o bom sentido das palavras: mentir palavras sob novos nomes: nominar o gesto e desfazer o nó que nos prende ao nada. Pedro Du Bois


13 de Abril de 2008

Sem Ecos no Silêncio Agora

"Donde no hay ecos el silencio es tan horrible como esse peso que no deja huir, en los sueños." La Invención de Morel - Adolfo Bioy Casares Saboreamos pelo tempo vivido a parca alegria oferecida neste palco de tábua embevecida no pulsar de coração aturdido Tristezas ensolaradas, frias passagens de tempo presente de vivências pretéritas no ingente afã de buscar significado nos dias Astros movidos por leis particulares, dependentes de vãs lembranças que desmoronam frágeis pilares De dor em dor; em desesperança: desarmonia de ossos e nervos em bucólicos vilares. Juscelino Vieira Mendes


13 de Abril de 2008

A Aranha e o Poeta

A aranha tece a teia Eu o poema Há milênios fazendo-a perfeita Eu aprendendo Todos os pequenos bichos se enredam no poema-ceia Só rato, barata, cupim, traça(m) minha teia A aranha mata a fome na rede Meu poema tem a fome fiada nos milênios Diferenças à parte, a aranha não suporta minha indisciplina Carlos Gildemar Pontes


12 de Abril de 2008

Turner

pete_turner_400x300.jpg uma cidade à espera do dia


12 de Abril de 2008

Mariposa

Clips metálicos entre chão e parede, mariposa discreta entre nervuras dum pesado tecido de noiva, cama quieta, distante. À noite, a testemunha de um cômodo deserto. Elaine Pauvolid


12 de Abril de 2008

Melancolia turva

Lábios que encontram outros lábios num meio de caminho, como peregrinos interrompendo a devoção, nem pobres nem sábios numa embriaguez sem vinho que silêncio os entontece quando de súbito se tocam e, cegos ainda, procuram a saída que o olhar esquece num murmúrio de vagos segredos? É de tarde, na melancolia turva dos poentes, ouvindo um tocar de sinos escorrer sob o azul dos céus quentes, que essa imagem desce de agosto, ou setembro, e se enrola sem desgosto no chão obscuro desse amor que lembro. Nuno Júdice


12 de Abril de 2008

Deste Lado Da Morte Ninguém Responde

(gentileza de Amélia Pais) quinze de janeiro. luz de sombras tem nas costas a luz batente que a vida concede ao fim agita o mais íntimo das águas repete os nomes essenciais e grita com uma invisível voz a fome do regresso é deus assim como é mínimo com a sabedoria dos dias e a estrada como um fim Pedro Sena-Lino


12 de Abril de 2008

Ukiyo-e

Ukiyoe-12-sm.jpg porque hoje é outro dia...


12 de Abril de 2008

O equívoco

Tempo de dizer que meias palavras não bastam. Que o esforço resultou inútil. Tempo de dizer que o abraço não se fez cálido, e sim amargo; hostil. Tempo de dizer que tampouco há esperança: vivemos e não somos recompensados. O desamparo consome a relutância daqueles que persistem. Os dias perduram no pó de contradições. Juntas elas formam o equívoco da vida. H. Deives Valeriano


12 de Abril de 2008

Memória na pele

Há uma memória indissolúvel que guarda desejos abraços prazeres que acorda no meio da noite e espera o dia vir com seu cheiro de mato e passarinho há nesta memória o registro dos momentos passageiros do brilho dos olhos teus dos prazeres repartidos da resina do sexo entre nossas coxas erupindo como se fôssemos mar revolto em minha memória és como uma tatuagem gravada no pescoço Carlos Gildemar Pontes


12 de Abril de 2008

Ukiyo-e

Ukiyoe-27.jpg uma última taça de chá antes de dormir


12 de Abril de 2008

The Meek Shall Inherit The Earth

if I suffer at this typewriter think how I'd feel among the lettuce- pickers of Salinas? I think of the men I've known in factories with no way to get out- choking while living choking while laughing at Bob Hope or Lucille Ball while 2 or 3 children beat tennis balls against the wall. some suicides are never recorded. Charles Bukowski


11 de Abril de 2008

Em tua pele

Em tua pele se decalca uma luz que não aquece. Em tua pele se conjuram brancos de outro cariz brancos de outro branco em leque. Em tua pele se deflagra um óbito de sol branco fosco contra o qual não há quem impreque. Em tua pele se despetala e se descama outra ramagem mais agreste que esses campos de areia estéreis. Em tua pele se tatua e se descreve um arco de seda leve que de tua pele te despe. Rodrigo Petronio


11 de Abril de 2008

William Etty

Rachel.jpeg Rachel, ou Elisa-Rachel Felix, actriz de ascendência judaica nascida em 1821 e aqui retratada nos anos 40 do século XIX


11 de Abril de 2008

This world

You don't want to hear the story of my life, and anyway I don't want to tell it, I want to listen to the enormous waterfalls of the sun. And anyway it's the same old story - - - a few people just trying, one way or another, to survive. Mostly, I want to be kind. And nobody, of course, is kind, or mean, for a simple reason. And nobody gets out of it, having to swim through the fires to stay in this world. Mary Oliver


10 de Abril de 2008

La Verbena de la Paloma

Paloma.jpg cartaz original


10 de Abril de 2008

La Verbena de la Paloma

Por ser la Virgen de la Paloma, un mantón de la China na, China na, te voy a regalar". "-¿Dónde vas con mantón de Manila? ¿Dónde vas con vestido chiné? -A lucirme y a ver la verbena, y a meterme en la cama después. " en 1894 se estrenó La verbena de la Paloma, con letra de Ricardo de la Vega". Em 1980, ouvi esta zarzuela pela primeira vez. Em memória de António Correa Madeira, meu primeiro marido, que a cantava com graça.


10 de Abril de 2008

The Room Of My Life

Here, in the room of my life the objects keep changing. Ashtrays to cry into, the suffering brother of the wood walls, the forty-eight keys of the typewriter each an eyeball that is never shut, the books, each a contestant in a beauty contest, the black chair, a dog coffin made of Naugahyde, the sockets on the wall waiting like a cave of bees, the gold rug a conversation of heels and toes, the fireplace a knife waiting for someone to pick it up, the sofa, exhausted with the exertion of a whore, the phone two flowers taking root in its crotch, the doors opening and closing like sea clams, the lights poking at me, lighting up both the soil and the laugh. The windows, the starving windows that drive the trees like nails into my heart. Each day I feed the world out there although birds explode right and left. I feed the world in here too, offering the desk puppy biscuits. However, nothing is just what it seems to be. My objects dream and wear new costumes, compelled to, it seems, by all the words in my hands and the sea that bangs in my throat. Anne Sexton


10 de Abril de 2008

Epílogo

Diversa de outras searas, o que colho agora é contentamento. Simples, sem regalo. Bater do vento na cara. Com o olho claro, cumprir o intento: guardar estátuas em movimento. Rodrigo Petronio


10 de Abril de 2008

Raoux

91048~Young-Woman-Reading-a-Letter-Postersraoux.jpg leitura absorvente a uma luz difusa


10 de Abril de 2008

Aprendizagem

Funda raízes quentes têm as árvores para esplender seu fruto em altos ramos. Há pelo espaço um ondular de asas carregando destinos contra o tempo. Cada manhã os bichos se levantam e seus dorsos redondos são montanhas de robusta certeza, grosso impulso . Bate o sangue entre os troncos, há um calor de seres respirando, um renascer de assombros cegos e constantes. Quem me ensina o que essas forças mais antigas sobre a terra confirmam cada dia? Que secreto atributo as ilumina, maior que nosso amor e nossa morte? Izacyl Guimarães Ferreira


10 de Abril de 2008

Chove a cântaroS

Esságua que sou mareja pelos poros das paredes de lodo verde. Esságua que sou explode por uma fenda de rocha. Despenco e, por instinto, procuro, ávida, os caminhos dágua salgada. Guerreira, água,chumbo, estilhaço no alto o surdo ribombo do meu poder. Inevitável choque. Como um espetáculo de ziguezagues mortíferos, desabo, aguaceira que sou, com a sensação de entrega, e gozo, embebida na doçura da terra sedenta de mim, que juntas parimos a vida. Rita Brennand


9 de Abril de 2008

Turner

0912_Turner.jpg o sol em declínio imaginário, ou final de um dia cansativo


9 de Abril de 2008

União no poema

Algumas palavras nunca precisam ser ditas Alguns poemas nunca ser pronunciados Os olhos a lamber, a beijar, a sugar certos versos embebidos de puro sentir No silêncio se aprofunda o abismo entre poema e leitor Nele epicamente se ergue a ponte divina da salvação, etérea construída palmo a palmo, arquitetonicamente, sofregamente, de palavras escolhidas e colhidas ao vento para unir inabalável e por todo o sempre o coração do poeta ao coração do leitor. Laeticia Jensen Eble


9 de Abril de 2008

Do amor virtual II

Não pode ser mentira o amor e o que ele cria entre nós dois: verdade maior que as pessoas aquela prosa e aqueles versos? Maior que o doce sofrimento de querer, ser querido e ver que espaço e tempo se confundem? Que a distância por mais distante, real ou virtual, se apaga? O aqui, o agora, tudo falso? Izacyl Guimarães Ferreira


9 de Abril de 2008

The Return

See, they return; ah, see the tentative Movements, and the slow feet, The trouble in the pace and the uncertain Wavering! See, they return, one, and by one, With fear, as half-awakened; As if the snow should hesitate And murmur in the wind, and half turn back; These were the "Wing'd-with-Awe," Inviolable. Gods of the wingèd shoe! With them the silver hounds, sniffing the trace of air! Haie! Haie! These were the swift to harry; These the keen-scented; These were the souls of blood. Slow on the leash, pallid the leash-men! Ezra Pound


9 de Abril de 2008

Do amor virtual

O gosto de qualquer saudade é perda,gasto descontente. Mesmo que dure essa memória doce do que fomos,ou fosse a vida brevemente imóvel, seria tudo um pobre intento: ficaria uma falta,fica a falsa cara da imitação. Memórias e palavras querem viver verdades mais tangíveis. Izacyl Guimarães Ferreira


9 de Abril de 2008

Goya

goya_duchess_of_alba.jpg manhã cedo, pronta para sair, a exemplo da duquesa de Alba


9 de Abril de 2008

Imagining Defeat

She woke me up at dawn, her suitcase like a little brown dog at her heels. I sat up and looked out the window at the snow falling in the stand of blackjack trees. A bus ticket in her hand. Then she brought something black up to her mouth, a plum I thought, but it was an asthma inhaler. I reached under the bed for my menthols and she asked if I ever thought of cancer. Yes, I said, but always as a tree way up ahead in the distance where it doesn't matter And I suppose a dead soul must look back at that tree, so far behind his wagon where it also doesn't matter. except as a memory of rest or water. Though to believe any of that, I thought, you have to accept the premise that she woke me up at all. David Berman


8 de Abril de 2008

Rosas

Não haveria a rosa se entre as rosas não existisse a rosa mais antiga: essa rosa-raiz rosa-semente inevitável rosa sempre ardente há milênios se abrindo e se esfolhando entre a rosa da aurora e a do poente. Maria de Lourdes Hortas


8 de Abril de 2008

William Etty

482px-Etty_William_Mira.jpg Mira, ou a representação da serenidade


8 de Abril de 2008

Queixa

Não se trata de mim - idôneos sobrenomes, sinais particulares, mapa astral, domicílio. Trata-se mais de nós, do que juntos e a sós fazemos da manhã e pela noite adentro nessa beira de rio, na ponta desse fio luminoso, no centro do insubmisso teatro. Não se trata de mim, de nada pessoal. Trata-se mais de nós, expostas nossas caras sem máscaras ou pós, expostos nossos corpos e as rarefeitas almas. Sem satânico trato, a busca da paixão que justifique os fatos. Não se trata de mim, de queixa pessoal, embora seja minha uma queixa da espécie. Trata-se mais de nós, deste único assunto. Izacyl Guimarães Ferreira


8 de Abril de 2008

Do Encontro

Qual paisagem acontecida, rosa, surgiste ao meu olhar incrédulo. E em azul - teus olhos - aves encantadas, pousaram nos meus sonhos andarilhos. Houve silêncio. E presenças, abolindo desertos percorridos.E os sentidos, arquitetos sutis desses instantes, construíram invisível ponte entre nós. E o olhar estremeceu as estruturas ressentidas, da busca já suposta eterna porquanto, a dúvida do existires era tormento povoando a vida, haurindo a seiva do amor e receiando se extinguir sem conhecer-te. Luiz Nogueira Barros


8 de Abril de 2008

Bartolomeo Veneziano

bartolomeo%20veneto888.jpg o século XVI na corte de Este


8 de Abril de 2008

What Lips My Lips Have Kissed, And Where, And Why

What lips my lips have kissed, and where, and why, I have forgotten, and what arms have lain Under my head till morning; but the rain Is full of ghosts tonight, that tap and sigh Upon the glass and listen for reply, And in my heart there stirs a quiet pain For unremembered lads that not again Will turn to me at midnight with a cry. Thus in winter stands the lonely tree, Nor knows what birds have vanished one by one, Yet knows its boughs more silent than before: I cannot say what loves have come and gone, I only know that summer sang in me A little while, that in me sings no more. Edna St. Vincent Millay


8 de Abril de 2008

Pétalas Negras ardem nos teus olhos

(gentileza de Amélia Pais) Queria erguer-te um cântico Que ressoasse entre os cânticos Noite fora persegui uma palavra Um diamante e fogo e silêncio O amor permanece uma língua bárbara. Luís Falcão


7 de Abril de 2008

Ukiyo-e

Ukiyoe-35.jpg quase hora de deitar, enfim...


7 de Abril de 2008

Aprendizagem

Funda raízes quentes têm as árvores para esplender seu fruto em altos ramos. Há pelo espaço um ondular de asas carregando destinos contra o tempo. Cada manhã os bichos se levantam e seus dorsos redondos são montanhas de robusta certeza, grosso impulso . Bate o sangue entre os troncos, há um calor de seres respirando, um renascer de assombros cegos e constantes. Quem me ensina o que essas forças mais antigas sobre a terra confirmam cada dia? Que secreto atributo as ilumina, maior que nosso amor e nossa morte? Izacyl Guimarães Ferreira


7 de Abril de 2008

Poema sobre uma imagem

Uns pássaros perfuram, pintalgados, a sisudez de uma escultura olmeca ou por ossuda mão são levantados poeirentos cadáveres da seca. Sua arte tudo toca, ceca e meca, dando voz, hora e vez aos deserdados, na agudeza do lápis que disseca num prisma exato os sóis apunhalados. Não são pincéis nem tintas, mas gnomos, que imprimem a fogo e alma cada risco, das cítricas visões expondo os gomos. Cada gravura é vida, não se doma, cada um dos traços um piau arisco. E o retinto nanquim por axioma. Virgílio Maia


7 de Abril de 2008

Regresso por outro rio

(gentileza de Amélia Pais) se regressar, será aos teus olhos que regresso. os acasos ardem nos lábios dos amieiros que na margem do rio aguardam que regresse. a isso regresso, buscando coincidências e nomes, razões. afasto-me provavelmente de ti, embora secretamente. é por isso estranha a forma como os acasos ardem para sempre. a outro rio e sob outras sombras regresso, devagar para não ferir o que antes amei e por quem morri muitas vezes. agora de novo morro e por outro rio regresso até ao lugar onde elas, as aves nascem para não desaparecerem. e isso é como permanece Francisco José Viegas


6 de Abril de 2008

Raoux

raoux2.jpg o reflexo de mais um dia, no dealbar do século XVIII


6 de Abril de 2008

Condição

advindos deslocamos formas na voragem previsível fugidos deflagramos desejos mas vulnerados votos (ávida a vida) movidos somamos vendas de vedados ápices abolidos desvinculamos nexo em consentido fluir (havida, a vida) Helena Parente Cunha


6 de Abril de 2008

A caminho de Bizâncio

Quatro cavalos Alheios à contemplação geral. Sem arreios e sem ginetes, livres. Os peitorais, colares, são sinal de augusta nobreza, não de doma. No amplo céu de Veneza, quase verdes em seus bronzes, entre os ouros do Duomo, estes cavalos vindos de Bizâncio não galopam nem dançam. Mas respiram. Estas narinas dizem que estão vivos e suam. As cabeças inclinadas falam, as patas altas espelhadas em parelhas revelam: vão partir. Marchando vão voltar para Bizâncio, deixando sobre a praça as quatro sombras. Izacyl Guimarães Ferreira


6 de Abril de 2008

Ukiyo-e

ukiyoe.jpg Pintura do mundo flutuante, ou uma tarde de domingo imaginária


6 de Abril de 2008

O que sabeis?

Amada vida, minha morte demora. Dizer que coisa ao homem, Propor que viagem? Reis, ministros E todos vós, políticos, Que palavra além de ouro e treva Fica em vossos ouvidos? Além de vossa rapacidade O que sabeis Da alma dos homens? Ouro, conquista, lucro, logro E os nossos ossos E o sangue das gentes E a vida dos homens Entre os vossos dentes. Hilda Hilst


6 de Abril de 2008

Winds of winter

Some moralist or mythological poet Compares the solitary soul to a swan; I am satisfied with that, Satisfied if a troubled mirror show it, Before that brief gleam of its life be gone, An image of its state; The wings half spread for flight, The breast thrust out in pride Whether to play, or to ride Those winds that clamour of approaching night. A man in his own secret meditation Is lost amid the labyrinth that he has made In art or politics; Some platonist affirms that in the station Where we should cast off body and trade The ancient habit sticks, And that if our works could But vanish with our breath That were a lucky death, For triumph can but mar our solitude. The swan has leaped into the desolate heaven: That image can bring wildness, bring a rage To end all things, to end What my laborious life imagined, even The half-imagined, the half-written page; O but we dreamed to mend Whatever mischief seemed To afflict mankind, but now That winds of winter blow Learn that we were crack-pated when we dreamed. William Butler Yeats


6 de Abril de 2008

William Etty

388px-William_Etty_001.jpg nudez matinal


6 de Abril de 2008

The Supreme Moment

As an ant is powerless Against a raised boot, And only has an instant To have a bright idea or two. The black boot so polished, He can see himself Reflected in it, distorted, Perhaps made larger Into a huge monster ant Shaking his arms and legs Threateningly? The boot may be hesitating, Demurring, having misgivings, Gathering cobwebs, Dew? Yes, and apparently no. Charles Simic


5 de Abril de 2008

rubro cântico

figurativo descanso uma estrutura rubra um olho-de-gato equivocado refletindo luz intuitiva a poesia num escuro duma estrada mal sinalizada Adriana Zapparoli


5 de Abril de 2008

Jornada

Tão longa a jornada! E a gente cai, de repente, No abismo do nada. Helena Kolody


5 de Abril de 2008

Toshusai Sharaku

toshusai%20sharaku.jpg representação japonesa do século XVIII


5 de Abril de 2008

Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor

Tateio. A fronte. O braço. O ombro. O fundo sortilégio da omoplata. Matéria-menina a tua fronte e eu Madurez, ausência nos teus claros Guardados. Ai, ai de mim. Enquanto caminhas Em lúcida altivez, eu já sou o passado. Esta fronte que é minha, prodigiosa De núpcias e caminho É tão diversa da tua fronte descuidada. Tateio. E a um só tempo vivo E vou morrendo. Entre terra e água Meu existir anfíbio. Passeia Sobre mim, amor, e colhe o que me resta: Noturno girassol. Rama secreta. Hilda Hilst


5 de Abril de 2008

Jazz

(gentileza de Amélia Pais) Numa cadência de enigma entrecortada de espasmos Saltos berros mil ruídos o jazz canta a saudade dum sonho que não se sabe. Chora o jazz a velha perda dum paraíso qualquer deixado em longes de sombra. E no seu ritmo diverso langoroso e crepitante martelado e insistente triste e cheio de alegria do que há muito está perdido. Adolfo Casais Monteiro


5 de Abril de 2008

Luz do límpido olhar

O paraíso terrestre é uma flor verde. As árvores abrem-se ao meio. O que é sucessivo perde-se. Se o tempo modifica os seres e os objectos eu sinto a diferença e gasto-me. O sol é um erro de gramática,a luz da madrugada uma folha branca à transparência da lâmpada. Soam então os barulhos. Soam de dentro das janelas, de dentro das caixas fechadas há mais tempo, de dentro das chávenas meias de café. É tarde e és tu, acima de tudo, entre a manhã e as árvores, à luz dos olhos, à luz só do límpido olhar. Nuno Júdice


5 de Abril de 2008

Labyrinth

Somewhere within the murmuring of things that make no difference—aimlessly playing, drifting in the wind—a loose door swings, banging against a wall; the piece of string that held it shut has blown away.Delaying, somewhere within the murmuring of things, crickets and tree toads pause, listening; now they go on with their shrill surveying. Drifting in the wind, a loose door swings in widening arcs.Each rusty iron hinge creaks in a different key: each is decaying, somewhere within.The murmuring of things wells up—the quickening thrum of wings, the pulsing, intersecting voice swaying, drifting in the wind.A loose door swings; no torch, no adventitious thread brings meaning to this maze, this endless straying somewhere within the murmuring of things. Drifting in the wind, a loose door swings. Jared Carter


5 de Abril de 2008

Kalamkari

kalamkari.jpg A Árvore da Vida


5 de Abril de 2008

A Terra girou para nos aproximar

(gentileza de Jaime Roriz) A Terra girou para nos aproximar, girou ao redor de si mesma e dentro de nós, até que finalmente nos uniu neste sonho como foi escrito no Simpósio Noites passaram, neves e solstícios; O tempo passou em minutos e milênios Uma carreta que ia para Nínive Chegou a Nebraska. Um galo cantava distante Na pré-vida de nossos pais A terra girou musicalmente Levando-nos a bordo; Não parou de girar um único momento, Como se tanto amor, tanto milagre era somente um provérbio escrito há muito tempo entre as partituras do Simpósio Eugenio Montejo


3 de Abril de 2008

Do risco

"Pela primeira vez, admito que estou a entregar-me ao amor. Não ao culto que prestei à Velha, não ao respeito que tenho pelas especiarias. Mas ao amor humano, no seu conjunto, no que ele tem de dádiva, de exigência, de amuo e de veemência. Assusta-me, esse risco." Chitra Banerjee Divakaruni, in A Senhora das Especiarias, trad. Maria Filomena Duarte


2 de Abril de 2008

O Espírito

Nada a fazer amor, eu sou do bando Impermanentemente das aves friorentas; E nos galhos dos anos desbotando já as folhas me ofuscam macilentas; E vou com as andorinhas. Até quando? À vida breve não perguntes: cruentas Rugas me humilham. Não mais em estilo brando Ave estroina serei em mãos sedentas. Pensa-me eterna que o eterno gera Quem na amada o conjura. Além, mais alto, Em ileso beiral, aí espera: Andorinha indeme ao sobressalto Do tempo, núncia de perene primavera. Confia. Eu sou romântica. Não falto. Natália Correia


2 de Abril de 2008

Então para que serve a esperança?

"Uma esperança não assente na razão só traz desapontamento." Chitra Banerjee Divakaruni, in A Senhora das Especiarias, trad. Maria Filomena Duarte


2 de Abril de 2008

Abril

Abril%20no%20duque%20de%20Berry.jpg Livro de horas do duque de Berry, desta vez mostrando a esperança no futuro, pintado pelos irmãos Limbourg (Paul, Hermann e Jean) no século XV


2 de Abril de 2008

Palavras de Jacob depois do sonho

Amei a mulher amei a terra amei o mar amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar De muitas delas de resto falei Não sei talvez eu me possa enganar foram tantas as vezes que me enganei mas por trás da mulher da terra e do mar É esse o seu nome e nele não cabe temor Mas depois deste sonho sou obrigado a cantar: Eis que o senhor está neste lugar Porquê não sei talvez uma haste balance talvez sorria alguma criança Terrível não é o homem sozinho na tarde como noutro tempo de esplendor cantei Terrível é este lugar Terrível porquê? Não sei bem Talvez porque o senhor pisa esta terra com os seus pés (lembro-me até de que mandou tirar as sandálias a moisés) Levanto os dois braços aos céus Aqui - mulher terra mar - Aqui só pode ser a casa de deus Ruy Belo


2 de Abril de 2008

Dos elementos

(gentileza de Amélia Pais) El agua horada la piedra, el viento dispersa el agua, la piedra detiene al viento. Agua, viento, piedra. El viento esculpe la piedra, la piedra es copa del agua, el agua escapa y es viento. Piedra, viento, agua. El viento en sus giros canta, el agua al andar murmura, la piedra inmóvil se calla. Viento, agua, piedra. Uno es otro y es ninguno: entre sus nombres vacíos pasan y se desvanecen agua, piedra, viento. Octavio Paz


1 de Abril de 2008

Lovis Corinth

Lovis%20Corinth_1903_7-420.jpg impressionismo ou expressionismo?


1 de Abril de 2008

Pragas, juras e outras provas de insensatez

Não sossegue eu mais, que um bonifrate, De urina sobre mim se vaze um pote, As galas, que eu vestir, sejam picote, com sede me dêem águas em açafate. Se jogar xadrez, me dêem um mate, E, jogando às trezentas um capote, Faltem-me consoantes para um mote, E sem o ser me tenham por orate. Os licores que beba, sejam mornos, Os manjares, que coma, sejam frios, Não passeie mais rua, que a dos fornos. E para minhas chagas faltem fios, Na minha cabeça por plumas traga cornos, Se meus olhos por ti mais forem rios. D. Tomás de Noronha


1 de Abril de 2008

Hiroshige

Ando%20Hiroshige%2000000.jpg primavera japonesa


1 de Abril de 2008

Calmly We Walk Through This April's Day

Each minute bursts in the burning room, The great globe reels in the solar fire, Spinning the trivial and unique away. (How all things flash! How all things flare!) What am I now that I was then? May memory restore again and again The smallest color of the smallest day: Time is the school in which we learn, Time is the fire in which we burn. Delmore Schwartz