Modus vivendi

"bene senescere sine timore nec spe"

blogue de Ana Roque

Arquivo de julho 2007


31 de Julho de 2007

Shinsui

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31 de Julho de 2007

Retroviagem

Adiada a chegada o mar é só vertigem o porto está distante. A noite nos oceanos é uma tragédia de negrumes onde se perdem os homens ávidos de idílios entre cetáceos ressabiados e atlânticas saudades. A estrela que me acompanha (ou a persigo, em solitária romaria?) restabelece o ancoradouro que precocemente fugiu das garras tênues de um viandante inconcluso. Mais inquieta é a esperança se nela não navego ou galopam outros sonhos. A geografia dessas águas fabrica desafios, enquanto no rosto mareja o sacrifício da espera. Ronaldo Cagiano


31 de Julho de 2007

Adão e Eva

3 E tudo encontra na evidência o nome. A recente nudez da novidade traz o enigma do que vem de longe sem reserva qualquer nele entregar-se. Ou cada coisa do seu dentro rompe perpetuamente àquele feliz instante em que estarem a vê-lo lhe recolhe estar a ser. Com todo o ser em fase. Fernando Echevarría


31 de Julho de 2007

Prudência do sentimento

A prudência do sentimento requer um uso da linguagem capaz de se apropriar dos exercícios de perícia que o tinham suspenso nas palavras para pela dor procurar dar consistência às fracturas que nele tinha provocado a vista do precipício. O olhar perdera-se no horizonte mas o corpo, anestesiado pelo vento, deixara-o de sentir à medida que no ar o esculpiam a cinza e a urze. Já teria caído? Parte de si deslocara-se da protecção do corpo e fitava-o de baixo, à espera que a gravidade o levasse a conhecer, pela queda, as razões do sucedido. Anos depois continuava sem perceber a novidade do movimento que o arrancou do muro e o trouxe outra vez para as clareiras da superfície. Nalgum ponto o medo tocou a imensidão do corpo para assim fazer coincidir, pelo gesto, o mundo consigo. Mas o real não, que nunca recuperou da imagem que, ao cair, embrulhou num corpo a certeza mesmo de ter vivido. Fernando Guerreiro


30 de Julho de 2007

Lua Cheia

LuaCheiaNaRiaFormosa-2007.jpg ontem, em plena noite de verão. Foto de Paulo Querido


30 de Julho de 2007

Visita do Homem-Asa

Homenagem a Mário Cesariny Não, não nos iludamos, Marco, nem façamos Arcádia. O Surreal é do Homem-Asa o minuano desencontrado e subsolo a cera líquida o brilho fácil além do hálito de tua janela uma lua baça ao espelho a página impressa e a saída por entre os dedos asfixi- ando, fugindo do sorriso perseguidor Marco Aqueiva


30 de Julho de 2007

Anatomia do pó

I Essa invisibilidade me corrompe. A que espécie de tédio pertence o pó? II O grão do pó se materializa em camadas de memórias abandonadas. III Pele porosa de terra. Superfície sobre superfície. Um bicho de duas peles. Ronaldo Costa Fernandes


29 de Julho de 2007

Shinsui

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29 de Julho de 2007

Lume

Todos sabemos acender um fósforo a quem nos pede lume. Talvez fosse uma conversa possível até ao fim. Mas o mais vulgar é ficarmos onde estamos com o fósforo aceso à beira do rosto – e antes de haver tempo a chama queima os dedos. Carlos Poças Falcão


29 de Julho de 2007

Viagem

Pelos meus dedos molhados escorrem largos oceanos. Pelos meus dedos azuis desfilam navios esquálidos. Meus dedos estão cansados por isto, já nem se fecham: portos vagos abrem-se e deixam partirem todos os sonhos. Os sonhos vão como mortos em seus esquifes marinhos nos corpos sem consistência pousam anêmonas. Os rostos entre rochedos opostos desaparecem. Mistério exibe-se em ar grave e sério à terra do esquecimento. Restos de brumas aladas perpassam na maresia. Minhas mãos já não sustentam quilhas contra as águas claras. Cantam na vela enfunada ventos de todo quadrante por mais que busquem o horizonte o infinito os afasta. - Sou como viageiro estranho por mais que busque e navegue do infinito o talvegue jamais reencontro os sonhos. Bernadette Lyra


29 de Julho de 2007

Ria Formosa

RiaFormosaVistaDeBarco.jpg a tarde sob uma luz particular... foto de Paulo Querido


29 de Julho de 2007

O Segundo Gato

Em cada gato há outro gato um pouco menos exacto e um pouco menos opaco. Um gato incoincidente com o gato, iridiscente, caminhando à sua frente ou ao seu lado, o espírito alado do que é terrestre no gato. É o segundo gato que permanece acordado quando o gato está afundado no seu sono abstracto, aos seus pés enrolado, espécie de gato do gato. Ou que, mais tardo, deambula pela sala enquanto o gato se lava, às vezes assomando nos olhos do gato como um passado imóvel e enclausurado. O próprio gato não sabe que anda por ali algo que não cabe dentro nem fora de si. Manuel António Pina


28 de Julho de 2007

A Bucólica Margem

Sento-me então a olhar o rio, os pensamentos formam cardumes que contra a corrente se insurgem mas as águas são inexoráveis; olhando-as, a superfície cintila, propaga-se como se fossem notas de um piano na garupa de um cavalo que se dirige para o mar. O Douro bebe as cores da cidade, sobre elas eu abro o coração em que te encontras, as colinas emolduram as raízes que à terra nos ligam. Para os meus olhos é momento de pausa: as coisas que interrogo não resistem à maré, não dão respostas; perdem-se no mar como tudo o que a memória não reteve. Mas este rio já foi longamente folheado, nele escrevemos o romance que nos deu uma casa, nos cortou o cabelo, nos afastou das rugas, nos entregou o azul (tecido, nuvem, divã, janela...), o voo das artérias, lugar do corpo, portas que amanhecem, espelho onde fazemos fluir a vida. Acordes da guitarra que forja o horizonte, que guia o sinuoso voo das gaivotas e acaricia a pele que rasga atalhos no interior dos sonhos. Estarei vivo enquanto assim me guardar teu coração. E no seu lucilar, esta água imita o fogo que devora sombras e escombros, libertando a asa que no sangue respira. A foz está próxima, mas o horizonte é o teu olhar. No leitor do carro, a guitarra flexível sublinha o que divago; os acordes disparam, encontram-me na trajectória do seu alvo. Egito Gonçalves


28 de Julho de 2007

Braço de mar

IMG_1054.JPG em beleza... foto de Paulo Querido


28 de Julho de 2007

Cicatriz

Não pude ser o teu amor perfeito antes esta ferida. Por isso para ti não serei a pele — poro a poro teu alumbramento — serei apenas a cicatriz. Perfeita. Esculpo a página a lápis e um cheiro de bosque então me aparece. Que a poesia é feita de romãs daquilo que é eterno e de tudo que apodrece. Neide Archanjo


28 de Julho de 2007

A paixão segundo Camões

Transforma-se o amador em coisa alguma, sem dolo, sem virtude, sem razão. Por muito amar, dispersa o coração e rói daquilo que é a alma nenhuma. As esperanças perde, uma a uma, de decifrar o rosto da paixão. Sem rumo, ilhado entre o sim e o não, perde-se no amor de um mar sem espuma. Transforma-se o amador em coisa errante, atira ao vento um grito enrouquecido, buscando encontrar-se na coisa amada. A pele rota, o gesto vacilante, transforma-se, de amar como um perdido, em sombra de si mesmo, ausência, nada. Carlos Felipe Moisés


28 de Julho de 2007

Weegee

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27 de Julho de 2007

A Marmita

Em sua marmita não leva o operário qualquer metafísica. Leva peixe frito, arroz e feijão. Dentro dela tudo tem lugar marcado. Tudo é limitado e nada é infinito. A caneca d'água tem espaço apenas para a sua sede. E a marmita é igual à boca do estômago, feita sob medida para a sua fome. E quando termina sua refeição, ele ainda cata todas as migalhas, todo esse farelo de um pão que suasse durante o trabalho. Tudo quanto ganha o operário aplica como um capital em sua marmita. E o que ele não ganha embora trabalhe é outro capital que também investe: palavra que diz em seu sindicato, frase que se escreve no muro da fábrica, visão do futuro que nasce em seus olhos que só com fumaça se enchem de lágrimas. Em sua marmita não leva o operário o caviar de qualquer metafísica. E sendo ele o mais exato dos homens tudo nele é físico e material, tem seu nome e forma, seu peso e volume, pode-se pegar. Seu amor tem saia pêlos e mucosas e, fecundo, faz novos operários. As coisas se medem pelo seu tamanho: sono, mesa, trave. No trem ou no bonde nenhum operário pode se espalhar sem fazer esforço. É como no mundo: — tem que empurrar. Vasilhame cheio de matéria justa, sua vida é exata como uma marmita. Nela cabe apenas toda a sua vida. E não cabe a morte que esta não existe, não sendo manual, não sendo uma peça de recauchutar. (Artigo infinito, sem ferro e sem aço, qualquer um a embrulha sem usar barbante ou papel almaço.) Fabril e imanente o operário vive do que sabe e faz e, sendo vivente, respira o que vê. O tempo que o suja de óleo e fuligem é o mesmo que o lava, tempo feito de água aberta na tarde e não de relógio. E a própria marmita também é lavada. E quando ele a leva de volta pra casa ela, metal, cheira menos a comida do que a operário. Lêdo Ivo


27 de Julho de 2007

Folha sobre folha

Folha sobre folha verde sobre cinza sobre folha vento sobre folha lento pobre manto cobre tanta folha sobre folha. O tempo se acumula, quando sobre nunca, até que o passado ressurja inteiro, coberto de folhas, memória liberta de si mesma. Carlos Felipe Moisés


27 de Julho de 2007

Shinhanga

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27 de Julho de 2007

Tudo o que termina

Os ramos estremecem, “Tudo está consumado”. São estas as primeiras palavras. Quem o disse? Apenas se escutou essa harmonia como se ficássemos nela abandonados. Ela há-de ser repetida, porque tudo o que termina precisa de ser compreendido para sempre. As primeiras palavras parecem-se com as últimas; as folhas estão caídas e atravessam a terra revolvida para se tornarem diferentes. A voz que tínhamos principiado a ouvir também é a mesma e já se tornou outra. De súbito, o tempo passa por ela. O final aproxima-se, os lábios procuram o silêncio. Olhamos, e vemos ainda as mesmas folhas. Fernando Guimarães


27 de Julho de 2007

Memória Indescritível

Nesta cadeira me sento, é nela que me apresento, mas menos do que me ausento, tento, lamento, avelhento, aqui me invento e rebento; passo cordura de unguento e alimento o alento da vida de sono e pão. Desta cadeira prossigo para um outro nó pascigo, já sem perigo nem abrigo, amigo como inimigo, com meu já perdido umbigo de só nascer por castigo: ali de vez eu te irrigo, cintilante coração. Pedro Tamen


26 de Julho de 2007

Caminho da praia

IMG_1084.JPG Ilha do Farol, ou sete quilómetros de areia fina escassamente povoada.


26 de Julho de 2007

Mar obsoleto

Foi desde sempre o mar e multidões passadas me empurravam como a barco esquecido. Cecília Meireles Diante deste mar revolto, que, outrora, simbolizou a esperança de um tempo, estou sozinho e calmo. Agora já não penso, sou apenas memória, lembrança de outros caminhos, que se perderam no próprio caminho do vento. Tento, em vão, recompô-los e presto atenção às ondas, se quebrando nos rochedos, trazendo conchas e búzios, respostas mudas do mar. O pensamento é como a água-viva, atirada na areia, misteriosa e sedutora. Quem ousaria romper O seu invólucro transparente e suportar a ardente ferida por puro descaso? Não! Deixa-o dormir, longe da praia, numa profundidade de algas, num emaranhado de algas, numa discreta espessura e consistência de algas... Deixa-o dormir! Agora sou apenas memória! Mauro Mendes


26 de Julho de 2007

Farol do Cabo de Santa Maria

Farol-IlhaDoFarol.jpg Desde 1851, a marcar o extremo sudoeste da ilha de Culatra. Foto de Paulo Querido.


26 de Julho de 2007

De rerum natura

Alheios ao destino dos mortais além das nuvens claras e sombrias vivem os deuses raros nas alturas livres de enganos dores nostalgias da morte vil que aos poucos nos invade; da chuva de átomos em que se evade indefinidamente a natureza em sua eterna mas avara empresa de reunir os átomos-enxame seguindo a força rude do cliname, compostos provisórios que se desfazem noutros repertórios: estrelas, águas nuvens, tempestades, cristais, abelhas, glórias ou cidades, e flores, pedras corpos, consciências – figuram como pálida aparência ... e acima desse mundo sempre em guerra acima da miragem dessa terra repousam esquecidos nos meatos mais livres os celestes, mais beatos Marco Lucchesi


26 de Julho de 2007

Folha falha

estas folhas tão murchas sombreando o frescor dos lábios estas folhas tão verdes apagando o sabor dos beijos estas folhas tão brilhantes sonegando o prazer dos olhos estas folhas tão soltas fermentando o desejo das línguas estas folhas tão minhas desvirginando teu chão estas folhas tão minhas negando tuas carícias estas folhas tão nossas desencontrando veredas folhas e falhas tão nossas na beira dos corpos no abismo das almas na distância do nunca na descida da dor tão sim tão não falhas e folhas do tempo Leontino Filho


25 de Julho de 2007

Hakuho

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25 de Julho de 2007

Companhia

aonde quer que eu vá a tua febre me comanda cuidado apenas mais um hábito o bom nesta parceria é o durante o ninho desmantelado a vertigem aonde quer que eu vá a tua umidade me habita atenção apenas mais uma inundação o bom nesta entrega é o pouso aonde quer que eu vá o teu ato é o meu e somos a cálida nascente. Leontino Filho


24 de Julho de 2007

Queixa

Não se trata de mim - idôneos sobrenomes, sinais particulares, mapa astral, domicílio. Trata-se mais de nós, do que juntos e a sós fazemos da manhã e pela noite adentro nessa beira de rio, na ponta desse fio luminoso, no centro do insubmisso teatro. Não se trata de mim, de nada pessoal. Trata-se mais de nós, expostas nossas caras sem máscaras ou pós, expostos nossos corpos e as rarefeitas almas. Sem satânico trato, a busca da paixão que justifique os fatos. Não se trata de mim, de queixa pessoal, embora seja minha uma queixa da espécie. Trata-se mais de nós, deste único assunto. Izacyl Guimarães Ferreira


24 de Julho de 2007

Teniers

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24 de Julho de 2007

Cristais

glórias alcançadas ontem não dão a medida exata de um homem assim como as de hoje podem não ter significado se ele nada mais almejar na vida Alceu Brito Correa


24 de Julho de 2007

Permutas poéticas

Troca-se um cheiro de fumaça por um odor de terra molhada. Uma nuvem de pernilongos por uma nuvem branca, de vapores condensados lembrando sorvete de limão. Um gramado grande, ressequido por um canteiro de Amarílis. Um caixote de folhas secas por um ramo de alecrim. Meia dúzia de envelopes de sementes de flores por um buquê de violetas. Um céu sem nuvens por outro, carregado de nuvens densas. Uma estiagem por um temporal. Uma chuva de fagulhas de canavial por uma chuva criadeira. Um cheiro de garapão por um odor de murta. Alguns sonhos desfeitos por uma esperança. Olga Amorim


24 de Julho de 2007

Do Achamento de Portugal

o país que não conheço deu-me um bisavô, navegante simples em seu barco cheio de peixes, que sempre volta à terra firme. o país que não conheço deu-me um bisavô, encantador de histórias do céu, fogo e ar. lá no meio da baía vislumbra um castelo. lá no meio da baía vislumbra um cardume. o país que não conheço deu-me um bisavô, bisavô dourado feito sol em ondas extensas, bisavô que tarda e não falha a içar às velas, bisavô que cedo madruga: que faz despertar o mar que em mim se agita, me embarca em tamanha travessia e liberta imagens que chegam num turbilhão de norte a sul... José Aloise Bahia


23 de Julho de 2007

Shuho

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23 de Julho de 2007

Luminância

Tem roçado meus sentidos docemente. Vem no leito dos albores da alvorada Deitar luz pelos meus olhos, disfarçada, Em murmúrios, leves, frouxos e dormentes. És nas tardes horizontes, nuvens claras, Onde deito por teu colo verdejante. Bebo o brilho de tua face, tão fragrante, Do ocaso que nos cantam essas searas. É da noite um clarão, suas estrelas, refulgentes pelo orbe infinito, a certeza do quão tudo é tão bonito... Então sós na madrugada, uma centelha do calor que aflora à tua pele fria, me arrebata... ao romper-te em novo dia. Lucas Tenório


23 de Julho de 2007

Curvatura do horizonte

IMG_1095.JPG foto de Paulo Querido


22 de Julho de 2007

Crepúsculo

(gentileza de Amélia Pais) Ah o crepúsculo, o cair da noite, o acender das luzes nas grandes cidades E a mão de mistério que abafa o bulício, E o cansaço de tudo em nós que nos corrompe Para uma sensação exacta e precisa e activa da Vida! Cada rua é um canal de uma Veneza de tédios E que misterioso o fundo unânime das ruas, Das ruas ao cair da noite, ó Cesário Verde, ó Mestre, Ó do "Sentimento de um Ocidental"! Que inquietação profunda, que desejo de outras cousas, Que nem são países, nem momentos, nem vidas, Que desejo talvez de outros modos de estados de alma Humedece interiormente o instante lento e longínquo! Um horror sonâmbulo entre luzes que se acendem, Um pavor terno e líquido, encostado às esquinas Como um mendigo de sensações impossíveis Que não sabe quem lhas possa dar... Quando eu morrer, Quando me for, ignobilmente, como toda a gente, Por aquele caminho cuja ideia se não pode encarar de frente, Por aquela porta a que, se pudéssemos assomar, não assomaríamos Para aquele porto que o capitão do Navio não conhece, Seja por esta hora condigna dos tédios que tive, Por esta hora mística e espiritual e antiquíssima, Por esta hora em que talvez, há muito mais tempo do que parece, Platão sonhando viu a ideia de Deus Esculpir corpo e existência nitidamente plausível Dentro do seu pensamento exteriorizado como um campo. Seja por esta hora que me leveis a enterrar, Por esta hora que eu não sei como viver, Em que não sei que sensações ter ou fingir que tenho, Por esta hora cuja misericórdia é torturada e excessiva, Cujas sombras vêm de qualquer outra cousa que não as cousas, Cuja passagem não roça vestes no chão da Vida Sensível Nem deixa perfume nos caminhos do Olhar. Cruza as mãos sobre o joelho, ó companheira que eu não tenho nem quero ter. Cruza as mãos sobre o joelho e olha-me em silêncio A esta hora em que eu não posso ver que tu me olhas, Olha-me em silêncio e em segredo e pergunta a ti própria ? Tu que me conheces ? quem eu sou... Álvaro de Campos


22 de Julho de 2007

Adão e Eva

2 E, além de feliz, era a nudez encontro de surpresa e de substracto – dentro palpites de sinais, e até intento a consumar o corpo, em estado de o espírito iluminar a tez que também se enriquece à luz do tacto. Ou a surpresa é dar-se o estar a ser com o dentro a difundir o seu espaço num paraíso de animais que vêm ao encontro de serem nomeados. Fernando Echevarría


22 de Julho de 2007

Chegada a Faro

IMG_1125.JPG foto de Paulo Querido


22 de Julho de 2007

Movimentos

entre tantas indagações é o momento escrevo ao mundo o mundo cioso patético risos ecos na imensa sala na gruta cega pequenos olhos voadores cheiro de um raso estreito pés de mulher muitos golpes alguns nobres traço um recado uma asa em música se insinua no escuro estalactite soa toque de sino Abilio Terra Junior


21 de Julho de 2007

Convite

venham todos conversemos numa comunhão vulgar sobre as mulheres e o mundo tiremos o paletó e os sapatos leiamos os jornais em voz alta brindemos aos fatos imprevistos entoemos canções ao velho mar e que a madrugada nos encontre assim participando rumorosamente de uma humanidade sem destino Horácio Dídimo


21 de Julho de 2007

Espera junto ao cais da Ilha do Farol

IMG_1089.JPG foto de Paulo Querido


21 de Julho de 2007

Poema-Canto

Cantarei a forma exata do teu gesto projetado na memória; a tua sombra, na presença de detalhes onde habito. Cantarei as nuas palmas (onde moram os ventos) na certeza dos teus sonhos nos espaços. Cantarei mares e ilhas portos adeuses em gestos e saudades. O teu silêncio cantarei nos olhos revendo o pôr do sol num cais de pedra. E me farei tranqüilo na escuta dos sons que anunciem teu retorno. Cantarei, mais do que nunca, a tua imagem preenchendo auroras e desejos; as mãos em formas pressentidas, o rosto esculpido em falas e sorrisos. Cantarei a forma exata do teu gesto projetado na memória; teu corpo branco envolto em brumas de sonoras lembranças onde eu me recolho. Humberto Fialho Guedes


21 de Julho de 2007

Ao Sol

(gentileza de Amélia Pais) Eu te saúdo. Sol das estações, Na tua viagem pelos altos céus. Rasto indelével no cimo dos montes, Senhor amável de todas as estrelas. Mergulhas sereno nas trevas do mar, E nada te toca e nada tu sofres. Depois te alevantas da calma das ondas, Como jovem príncipe coroado de rosas. Poema celta de tradição oral


21 de Julho de 2007

Taku River Bathing Beauties

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21 de Julho de 2007

Em louvor de Propertius

Agora Um olhar que passa E perpassa sobre as coisas Indolente como um gato persa opiômana majestade potestade oriental. Em louvor da poesia futura de Propertius Outrora a vida fervilhou em Tebas E era Tróia adornada com torres. Waly Salomão


20 de Julho de 2007

Weston

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20 de Julho de 2007

Voluptuoso Mar

O sentido é uma ingénua formação que respira e não culmina porque é o frémito da identidade na distância ou num inesperado oásis Pensamos que é a revelação de um segredo o amadurecimento de um fruto e que a vida vai recomeçar e prosseguir com um novo alento mas logo a matéria do tempo se interpõe entre o desejo e os nossos gestos completamente alheia ao nosso desejo de ser um corpo que habita o espaço e no espaço se consuma O não-sentido é irredutível e em nenhum mistério vibra o que está por detrás dele ou não porque o seu silêncio é tão absoluto como absoluto é o silêncio de Deus Nada pode redimir o desamparo essencial o tremor de ser sem ser nos abismos da existência Só a palavra que escuta e na sua escuta forma um espaço lento pode recolher a luz do improvável como se este fosse uma respiração e através dele o mundo se reconstituísse em ordenadas colunas de um jardim banhado pela orla indolente de um voluptuoso mar António Ramos Rosa


20 de Julho de 2007

Bathing Beauties

ccBathing-beauties-1919.jpg amanhã é outro dia...


19 de Julho de 2007

A Noite de Pavese

Raras vezes me franquearam a porta e me deixaram entrar. A febre sitia-me a alma e quem me vê assusta-se do aspecto do meu rosto, esta barba por fazer onde um rouxinol se esconde. E mais ainda assusta a minha altura, este lugar de vertigem e palavras poderosas, a presença de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer, o estremecimento que corre nos meus ombros. Embora nada peça, sabem que sou um pedinte. E quando entro nas casas os meus gestos afeiçoam-se a alguma coisa enigmática que contorna o pavor e o entrega por não se saber que espécie de vida ou de morte vem comigo. Obviamente, eu abençoo quem me deixa entrar, dou a entender que alguma coisa brilha nas minhas mãos e posso matar a fome com uma ou outra palavra próxima do amor, um dedo nos cabelos de quem me recebe. Subi as escadas que vão dar a esta casa em silêncio e em silêncio aceitei que me aguardassem com as inefáveis sombras que vejo nos outros e tento decifrar para meu contentamento. Mandaram-me sentar e deram-me de beber. Esse álcool reconfortou-me a alma. E a minha gratidão expressa-se deste modo, limpo e nítido, observando a mulher nesse sem fim das coisas, onde todos os mistérios avançam para uma explicação que a qualquer momento pode irromper do espírito como uma explosão. Olho-te nos olhos e recebo as duas moedas que me ofereces, o teu rosto é-me familiar se recuar à infância e subitamente perceber que também pertenci ao exercício desta árvore que nesta sala se levanta. Em frente, na fotografia que o meu olhar alcança porque me alcança o olhar que dela se desprende, inscreve-se o enigma que me fez aqui chegar, mais que um rumor ou um fio ténue com o nome de todas as coisas inesperadas que me aconteceram na vida, sempre que me franquearam a porta e me deixaram entrar. Agora, com a memória de ter estado em tua casa e ter recebido a graça de alguma atenção, eu, que sou pedinte embora nada peça, entrego-te este sulco da desordem sobre a página em branco e agradeço-te com o conhecimento de um outro mundo ainda mais inexplicável. Não tendo havido despedida, sabe que permaneço e na encruzilhada das dores que me couberam viver não esquecerei o teu nome no dia em que também tiver partido e mais nenhuma luz houver além daquela que ilumina o teu rosto na solidão da noite. Os anjos esperam-me. Não me é possível demorar. Que me seja a alba a tua tolerância. Amadeu Baptista


19 de Julho de 2007

Separação do Corpo

O corpo tem abóbadas onde soam os sentidos, se tocados de leve, ecoando longamente como memórias de outra vida em frios desertos ou praias de lama. O passado não está ainda preparado para nós, para não falar do futuro; é certo que temos um corpo, mas é um corpo inerte, feito mais de coisas como esperança e desejo do que de carne, sangue, cabelo, e desabitado de línguas e de astros e de noites escuras, e nenhuma beleza o tortura mas a morte, a dor e a certeza de que não está aqui nem tem para onde ir. Lemos de mais e escrevemos de mais, e afastámo-nos de mais – pois o preço era muito alto para o que podíamos pagar – da alegria das línguas. Ficaram estreitas passagens entre frio e calor e entre certo e errado por onde entramos como num quarto de pensão com um nome suposto; e quanto a tragédia, e mesmo quanto a drama moral, foi o melhor que conseguimos. A beleza do corpo amado é (agora sabemo-lo) lixo orgânico. O mármore que pudemos foi o das casas de banho e o dos balcões dos bancos, e grandes gestos nem nos romances, quanto mais nos versos! E do amor melhor é nem falar porque as línguas tornaram-se objecto de estudo médico e nenhuma palavra é já suficientemente secreta. Corpo, corpo, porque me abandonaste? “Tomai, comei”, pois sim, mas quando a química não chega para adormecermos, a que divindades havemos de nos acolher senão àquelas últimas do passado soterradas sob tanta chuva ácida e tanta investigação histórica, tanta psicologia e tanta antropologia? A memória, sem o corpo, não é ascensão nem recomeço, e, sem ela, o corpo é incapaz de nudez e de amor. Agora podemos calar-nos sem temer o silêncio nem a culpa porque já não há tais palavras. Manuel António Pina


19 de Julho de 2007

Brett Weston

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19 de Julho de 2007

Con anima

Que posso eu cantar de novo? Salomão já fez os cânticos. E o Outono, entretanto, vem cobrando seu tributo: quer sempre mais e mais frutos. Sei que o Inverno já vem, futuro exato, esperado. Mas eis que brota, entre as pedras, a mais teimosa das ervas que nem a neve contém. E tu, Primavera fresca, vens inaugurar o espanto e erguer, com ares de anjo, novo castelo de vento sobre as pedras da represa, em cujas águas contidas eu me vou banhar agora, pois é verão. Quem se importa se haverá outros ou não, se é de ti que sopra a vida? Álvaro Santi


18 de Julho de 2007

Bathing Beauty

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18 de Julho de 2007

Numa Praia

Em cada corpo recomeça o mundo, mas onde então acaba este começo? Amor não sabe mais o que é profundo, vem da pele e respira só no verso. Passamos a toalha pelo corpo, com o suor a enxugar a morte: há gotas de água fria no teu rosto, em ti meus dedos lêem sua sorte. Um riso nos chamou, fulgor ou seta, e o dia se refez sem mais promessa. Nos meus dedos ficou a ferida aberta: só no teu corpo o mundo recomeça. Luís Filipe Castro Mendes


18 de Julho de 2007

Weston

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18 de Julho de 2007

Enquanto dura o sol

O múltiplo sentido das permutações do tempo que o poema permite assombra. Uma sequência de imagens simples, e finalmente convencionais, a rápida sucessão das unidades dinâmicas do verbo, combina as três perspectivas que os filósofos dizem do eterno, do instante, e do perene. A terra mesma se transforma, a sombra das nuvens ao voar sobre as casas dá repouso e abrigo à obra das nossas mãos. Passam os anos como dias, o dia de agora é inteiro e completo como outrora. Lendo, já sei, talvez nada aconteça: vento nas folhas, água, uma estrela que cai. Comendo a sopa quente diante da tv a ordem da história e da sociedade não está prevista no menu. Ainda assim são essas imagens voláteis a razão do poema, enquanto dura o sol. António Franco Alexandre


17 de Julho de 2007

Ria Formosa

ria%20formosa.jpg finalmente...


17 de Julho de 2007

E se eu disser

E se eu disser que te amo - assim, de cara, sem mais delonga ou tímidos rodeios, sem nem saber se a confissão te enfara ou se te apraz o emprego de tais meios? E se eu disser que sonho com teus seios, teu ventre, tuas coxas, tua clara maneira de sorrir, os lábios cheios da luz que escorre de uma estrela rara? E se eu disser que à noite não consigo sequer adormecer porque me agarro à imagem que de ti em vão persigo? Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro em tua ausência - essa lâmina exata que me penetra e fere e sangra e mata. Ivan Junqueira


17 de Julho de 2007

Ommission

What man has not betrayed Some sacred trust? If haply you are made Of honest dust, Vaunt not of glory due, Of triumph won: Think, think of duties you Have left undone. But if in mercy hope, Despite your sin, The gates of Heaven ope' To let you in: Pray, pray that when God reads Your judgement due, He may forget good deeds You did not do. Ommission sins may be The bitterest, And wring in memory A heart opprest; So when sweet pity pleads, Let us not rue Too late, too late Kind Deeds We did not do. Robert Service


17 de Julho de 2007

Teniers

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16 de Julho de 2007

Separação

(para duas pessoas especiais, hoje) Não houve culpados. Só feridos. Leila Míccolis


16 de Julho de 2007

Soneto

Venho de longe, trago o pensamento Banhado em velhos sais e maresias; Arrasto velas rotas pelo vento E mastros carregados de agonia. Provenho desses mares esquecidos Nos roteiros de há muito abandonados E trago na retina diluídos Os misteriosos portos não tocados. Retenho dentro da alma, preso à quilha Todo um mar de sargaços e de vozes, E ainda procuro no horizonte a ilha Onde sonham morrer os albatrozes... Venho de longe a contornar a esmo, O cabo das tormentas de mim mesmo. Paulo Bonfim


16 de Julho de 2007

Berenice Abbott

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16 de Julho de 2007

Atirador de Facas

Arrancar as vendas e acompanhar, de olhos abertos, a trajetória do punhal, cravado em nosso corpo, em nosso peito, a cada amor desfeito. Leila Míccolis


15 de Julho de 2007

Tavira

luz%20de%20tavira.JPG the sooner, the better


15 de Julho de 2007

Senha

Somos nós, os pescadores que fizemos do rio uma casa e de todos os rios, uma pátria Somos nós, os pescadores que cruzamos cidades amargas com os remos fora d’água e o rosto lavado em sal Somos nós, os pescadores Que nos reunimos em silêncio ao redor do amanhecer com o sol preso na mão e a rede tensa Somos nós o horizonte onde aportarão os exércitos sem direção Levantar um braço, então será o bastante Nei Duclós


15 de Julho de 2007

Amanhecer

Olhas o amanhecer, vives o amanhecer como o único instante em que o céu é entreaberto segredo de um deus mudo. Espera: algo vai se revelar e deves estar pronto para mergulhar teu sonho num poço de luz casta. O intocado te espera. E amanhece. E te iluminas como se trincasses com os dentes a polpa do absoluto. Alphonsus de Guimaraens Filho


15 de Julho de 2007

Everdingen

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14 de Julho de 2007

Viola de Gamba

Nossas mãos juntas construirão gestos insuspeitados nossos passos juntos caminharão dobro dos caminhos nossos corpos juntos suportarão o peso das pressões elevado ao quadrado nossas mentes juntas nossos pensamentos nossos momentos se esticarão como cordas de viola de gamba nos ouvidos dos séculos Gizelda Morais


14 de Julho de 2007

Confissão

Não direi do desgaste a que me exponho no trabalho e suor de me conter sob muros agressivos e silêncio cuja acidez dentro de mim escalda e me castiga as vísceras e a pele. Darei parcos indícios dessa algema que vai mordendo, abutre, o sangue e os nervos e me abate e renasce ao infinito. Percebo presos ao asfalto os pés e, feras, sobre mim convergem brasas rugindo. E pedregulhos, galhos de árvore, limitam-me a visão e me povoam a memória de cifras e destroços. Fernando Py


14 de Julho de 2007

Weston

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14 de Julho de 2007

Talvez o vento saiba

Talvez o vento saiba dos meus passos, das sendas que os meus pés já não abordam, das ondas cujas cristas não transbordam senão o sal que escorre dos meus braços. As sereias que ouvi não mais acordam à cálida pressão dos meus abraços, e o que a infância teceu entre sargaços as agulhas do tempo já não bordam. Só vejo sobre a areia vagos traços de tudo o que meus olhos mal recordam e os dentes, por inúteis, não concordam sequer em mastigar como bagaços. Talvez se lembre o vento desses laços que a dura mão de Deus fez em pedaços. Ivan Junqueira


14 de Julho de 2007

Berenice Abbott

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14 de Julho de 2007

Kindness

Kindness glides about my house. Dame Kindness, she is so nice! The blue and red jewels of her rings smoke In the windows, the mirrors Are filling with smiles. What is so real as the cry of a child? A rabbit's cry may be wilder But it has no soul. Sugar can cure everything, so Kindness says. Sugar is a necessary fluid, Its crystals a little poultice. O kindness, kindness Sweetly picking up pieces! My Japanese silks, desperate butterflies, May be pinned any minute, anesthetized. And here you come, with a cup of tea Wreathed in steam. The blood jet is poetry, There is no stopping it. You hand me two children, two roses. Sylvia Plath


14 de Julho de 2007

Eggleston

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14 de Julho de 2007

Do ócio esperado

Quando o sossego é só sossego e a visão do mar espraia a nossa identidade sentimo-nos cúmplices da terra na densidade azul e respirando pertencemos à leve vibração de um ser anónimo vagamente feliz que renova em nós os alvéolos do sangue e dança na linfa com os seus élitros verdes O peito levanta-se com os seus campos e regatos e ergue-se até à cúpula das estrelas latentes O ócio murmura nas esferas e cintila nos monótonos fulgores e o sentido de tudo liberta-se de si mesmo para ser a liberdade de um presente inextinguível Se se pode tocar o ardor na sua fuga tentamos projectá-lo em grãos incandescentes para que a boca que os lê possa reencontrar o seu sabor primordial António Ramos Rosa


14 de Julho de 2007

outra voz

a lua dobra seu tornozelo na quinta estrela esquina de sentimentos vaga-lumes um sussurro-vampiro corre na moldura do corpo em cruz e labirintos na sexta vértebra a pedra arquiteta dos ventos calcula o silêncio dos libertinos José Geraldo Neres


14 de Julho de 2007

Weston

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13 de Julho de 2007

Navegante

I Meu coração é um navio azul, alimentado de velhas caixas e revistas. Nas pulsações mais fortes, mergulha nos tomates podres das feiras e velhos mercados. Compraz-se nas garrafas abandonadas de molhos e cervejas. O mar que o transporta tem cor de chumbo. Possui salas radiantes que a ele não são dadas conhecer. Meu coração navega nesse mar de coisas. II Navio azul trazendo a dor de longínquas cidades. olhar de descobrimentos. Plúmbeo mar! conduz esta minha embarcação pelos portos tremeluzentes de orgasmos e discórdias. Pelos asilos, presídios e manicômio. Grande mar! daí a esta embarcação um pouco da tua força, um pouco da tua alma para um aprendizado de maresia Francisco Perna Filho


13 de Julho de 2007

Weegee

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13 de Julho de 2007

Longe

O risco é o do horizonte: aqui – princeps – em ponta fina. Além, é o precipício onde, cerce, termina a peripécia do som e se inicia a linha da voz pontilhada e no limite. Ao longe versos longos e lentos como barcos viajam ao largo, fora do alcance da mão: nuvens navegantes naus sem flâmulas algas ou algumas frases nuas na linha do horizonte que naufragam e fracassam um instante antes de falar. Presas em flagrante as frases naufragadas não anunciam nada. Não navegam em nenhuma nave: soçobram os sentidos prestes a se afogarem como as pedras sem a casca da voz à margem longe da costa. Armando Freitas Filho


13 de Julho de 2007

Man Ray

berenice_abbott_par_man_ray.jpg Berenice Abbott


13 de Julho de 2007

Da divisão

Uma planta nasce dividida num vaso. Metade das suas folhas pertence-me; a outra é de alguém que desconheço. Ambos estamos ali a ver o mesmo? É no meio que principia a erguer-se um caule inexistente. Seremos os dois um só? E olhamos para o que fica dividido até sabermos onde está completa a planta. Fernando Guimarães


13 de Julho de 2007

The Philosopher

And what are you that, wanting you, I should be kept awake As many nights as there are days With weeping for your sake? And what are you that, missing you, As many days as crawl I should be listening to the wind And looking at the wall? I know a man that's a braver man And twenty men as kind, And what are you, that you should be The one man in my mind? Yet women's ways are witless ways, As any sage will tell,— And what am I, that I should love So wisely and so well? Edna St. Vincent Millay


12 de Julho de 2007

Nolde

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12 de Julho de 2007

Noturno à janela

certas noites a névoa invade tão densa tudo que impede ver o outro lado da baía não apenas a linha do horizonte ou o corpo das montanhas ou mesmo o espaço de mar e as ilhas interpostas que toda noite quase ocultos já tendem a se tornar mera hipótese salvo a brisa e o que nela há de memória e suposição mas sobretudo os faróis suas luzes intermitentes ora pontuações do silêncio ora suturas de uma arquitetura sem limites sem traves volumes insuspeitos opacos sim um tudo desmesuradamente nada Júlio Castañon Guimarães


12 de Julho de 2007

carmim

estrela marinha aquário de vento gota tecelã suspensa (olhos-tempestade) quimera do seio lunar contorna o orvalho pedra de fogo lateja na aquarela-ventre gênesis José Gerado Neres


12 de Julho de 2007

Spring

To what purpose, April, do you return again? Beauty is not enough. You can no longer quiet me with the redness Of little leaves opening stickily. I know what I know. The sun is hot on my neck as I observe The spikes of the crocus. The smell of the earth is good. It is apparent that there is no death. But what does that signify? Not only under ground are the brains of men Eaten by maggots. Life in itself Is nothing, An empty cup, a flight of uncarpeted stairs. It is not enough that yearly, down this hill, April Comes like an idiot, babbling and strewing flowers. Edna St. Vincent Millay


12 de Julho de 2007

Diane Arbus

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12 de Julho de 2007

Threshold

When in still air and still in summertime A leaf has had enough of this, it seems To make up its mind to go; fine as a sage Its drifting in detachment down the road. Howard Nemerov


12 de Julho de 2007

Os Degraus

Não desças os degraus do sonho Para não despertar os monstros. Não subas aos sótãos - onde Os deuses, por trás das suas máscaras, Ocultam o próprio enigma. Não desças, não subas, fica. O mistério está é na tua vida! E é um sonho louco este nosso mundo... Mário Quintana


11 de Julho de 2007

Teniers

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11 de Julho de 2007

Manuel Komninos

One dreary September day Emperor Manuel Komninos felt his death was near. The court astrologers -bribed, of course- went on babbling about how many years he still had to live. But while they were having their say, he remebered an old religious custom and ordered ecclesiastical vestments to be brought from a monastery, and he put them on, glad to assume the modest image of a priest or monk. Happy all those who believe, and like Emperor Manuel end their lives dressed modestly in their faith. C.P. Cavafy, translated by E. Keeley and P. Sherrard


11 de Julho de 2007

Os poetas suicidas

(Empédocles, Cesare Pavesi, Maiakovski e os outros) Os emblemáticos poetas suicidas em áspera vereda. As mãos a arrastar os estigmas, retinas flutuantes, sem norte. Os estribilhos e seus sinos desvairados. O estro onde o belo, a abrir-se, detona sob os pés, rumo às fímbrias do azul. O incandescer do cérebro ao ressoar dos mitos e legendas. Os fragmentos do ser sugados por lavas e galáxias. Os poetas suicidas singram amplidão de estrofes e expelem mensagens do ignoto macerando as horas. Sazonados versos confrangem sob gumes trágicos. Seus epílogos e epitáfios, inebriados, inebriantes. E abissais. Joanyr de Oliveira


11 de Julho de 2007

Teniers

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11 de Julho de 2007

Late spring

Amor de floração tardia colhido ao chão das folhas secas. Achado casulo de mim mesmo, seco, fui ficando. Eu já me despedia de meus anos. Que já não há rubor nas entressafras, veias, vias de memórias fracas. Por que me permito? Não das manhãs, que o calor chega atrasado, mas das tardes talvez, que vai esfriando, mas fica morno, morno - terno - e fica, e fixa, dá calma e alegria, doce, fragrante. Destas horas fiz todos os meus dias. E já não sei se vou, se vôo, se parto. Aparto as circunstâncias, ânsias no meu em-torno. Suspenso no que sinto e que repenso, terçãs que desvanecem, as horas crescem. Nem todo amor negado às horas pena. Açucenas. Lírios. Não vale à alma o vale dos suplícios. Deixa o aroma enevoar, emudecer, entreabrir, que eu sou todo a sombra da sombra, senão luz própria sem fundo, imagem que não existe mas é tudo. Há muito basta o gesto de sorrir. Dá-me teus frutos... é mais que eu merecia. Amor de floração tardia. Jaumir Valença da Silveira


10 de Julho de 2007

Mr. Mistoffelees

You ought to know Mr. Mistoffelees! The Original Conjuring Cat-- (There can be no doubt about that). Please listen to me and don't scoff. All his Inventions are off his own bat. There's no such Cat in the metropolis; He holds all the patent monopolies For performing suprising illusions And creating eccentric confusions. At prestidigitation And at legerdemain He'll defy examination And deceive you again. The greatest magicians have something to learn From Mr. Mistoffelees' Conjuring Turn. Presto! Away we go! And we all say: OH! Well I never! Was there ever A Cat so clever As Magical Mr. Mistoffelees! He is quiet and small, he is black From his ears to the tip of his tail; He can creep through the tiniest crack, He can walk on the narrowest rail. He can pick any card from a pack, He is equally cunning with dice; He is always deceiving you into believing That he's only hunting for mice. He can play any trick with a cork Or a spoon and a bit of fish-paste; If you look for a knife or a fork And you think it is merely misplaced-- You have seen it one moment, and then it is gawn! But you'll find it next week lying out on the lawn. And we all say: OH! Well I never! Was there ever A Cat so clever As Magical Mr. Mistoffelees! His manner is vague and aloof, You would think there was nobody shyer-- But his voice has been heard on the roof When he was curled up by the fire. And he's sometimes been heard by the fire When he was about on the roof-- (At least we all heard that somebody purred) Which is incontestable proof Of his singular magical powers: And I have known the family to call Him in from the garden for hours, While he was asleep in the hall. And not long ago this phenomenal Cat Produced seven kittens right out of a hat! And we all said: OH! Well I never! Did you ever Know a Cat so clever As Magical Mr. Mistoffelees! T.S. Eliot


10 de Julho de 2007

Tissot

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10 de Julho de 2007

Da escuta

Cheguei e perguntei pelo grito do granito. Rigor obstinado, era o que ele dizia. E sorria. Sorria? Deita uma palavra ao mar. Exemplo: rio. Abandona outra: vento, ao próprio vento. Mas se o quiseres escutar é melhor deixares lá fora o teu lamento. Armando Silva Carvalho


10 de Julho de 2007

Adão e Eva

E, enfim, era a nudez corpo visível onde, invisível, se ajustava o acto de olhar. Não para enclausurar limites, ou reduzir o que se estava dando. A nudez recrudescia. A abrir-se com a frequência a exceder o impacto da visibilidade. E assim o timbre da sua luz estimulava o ângulo que a sagrava num espaço inextinguível. E tinha o pulso de lugar sagrado. Fernando Echevarría


9 de Julho de 2007

Teniers

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9 de Julho de 2007

The Summer Day

Who made the world? Who made the swan, and the black bear? Who made the grasshopper? This grasshopper, I mean-- the one who has flung herself out of the grass, the one who is eating sugar out of my hand, who is moving her jaws back and forth instead of up and down-- who is gazing around with her enormous and complicated eyes. Now she lifts her pale forearms and thoroughly washes her face. Now she snaps her wings open, and floats away. I don't know exactly what a prayer is. I do know how to pay attention, how to fall down into the grass, how to kneel in the grass, how to be idle and blessed, how to stroll through the fields, which is what I have been doing all day. Tell me, what else should I have done? Doesn't everything die at last, and too soon? Tell me, what is it you plan to do With your one wild and precious life? Mary Oliver


8 de Julho de 2007

A Vida

(para ti, com quem a partilha faz sentido) A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua mais que perfeita imprecisão, os dias que contam quando não se espera, o atraso na preocupação dos teus olhos, e as nuvens que caíram mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações a abrir-se para dentro e para fora dos sentidos que nada têm a ver com círculos, quadrados, rectângulos, nas linhas rectas e paralelas que se cruzam com as linhas da mão; a vida que traz consigo as emoções e os acasos, a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram e dos encontros que sempre se soube que se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo o rosto sonhado numa hesitação de madrugada, sob a luz indecisa que apenas mostra as paredes nuas, de manchas húmidas no gesso da memória; a vida feita dos seus corpos obscuros e das suas palavras próximas. Nuno Júdice


8 de Julho de 2007

Segredo

O que se torna visível depois do escuro senão a espessura da cidade? Distingo traços de lume onde antes o dia apagava qualquer sinal de estradas. Carros percorrem-nas, dirigem-se para ilegíveis pontos. São luzeiros incendiando a cidade, estes carros que a atravessam. Mais do que isso, ali, naquela colina, descubro uma passagem, um segredo guardado: o mapa da cidade é escrito quando a noite me vence por dentro. Táctil, cego, avanço para o fogo que me devora. Luís Quintais


8 de Julho de 2007

No Café da Mitologia

Perto da porta, as três Parcas pedem chá e bolos. O criado mostra-lhes o casaco: o botão pendurado por um fio, a cair. A mais velha puxa o botão, rebentando o fio; a do meio enfia a linha na agulha; e a terceira recose o botão no casaco. As três Parcas ficaram sem chá nem bolos; e o criado, como é óbvio, ficou morto. (Mas o casaco ficou impecável). Nuno Júdice


8 de Julho de 2007

Do olhar atento

As mãos uniram-se e é mais perto que conservam a dimensão de uma palavra, a última. A elas pertencem igualmente as trevas que vinham ao encontro de tudo, leves asas feridas pelo seu movimento, sem qualquer cor e cada vez mais nossas. Aprendemos a acreditar neste voo, na altura de uma haste, no próprio olhar atento a uma linha mais alta para assim encontrarmos no que nos rodeava a vinda destas aves. Fenando Guimarães


8 de Julho de 2007

Derain

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7 de Julho de 2007

It Will Not Change

It will not change now After so many years; Life has not broken it With parting or tears; Death will not alter it, It will live on In all my songs for you When I am gone. Sara Teasdale


7 de Julho de 2007

Talking In Bed

Talking in bed ought to be easiest Lying together there goes back so far An emblem of two people being honest. Yet more and more time passes silently. Outside the wind's incomplete unrest builds and disperses clouds about the sky. And dark towns heap up on the horizon. None of this cares for us. Nothing shows why At this unique distance from isolation It becomes still more difficult to find Words at once true and kind Or not untrue and not unkind. Philip Larkin


7 de Julho de 2007

As Palavras

Se fosse possível escrever sem nenhuma tensão com a oval fluência de um vagaroso ócio poderíamos libertar essa plácida lua presa entre os rígidos flancos do ventre Teríamos então a lucidez do sono e as pálpebras ordenariam o fluir das linhas que estariam de acordo com o silêncio dos montes e com a voluptuosa lentidão do mar No vagar de lúcidas surpresas a palavra teria a vaga monotonia de uma nuvem que nada mais dissesse do que a clara indolência do dia António Ramos Rosa


7 de Julho de 2007

La Hyre

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6 de Julho de 2007

I Come From There

I come from there and I have memories Born as mortals are, I have a mother And a house with many windows, I have brothers, friends, And a prison cell with a cold window. Mine is the wave, snatched by sea-gulls, I have my own view, And an extra blade of grass. Mine is the moon at the far edge of the words, And the bounty of birds, And the immortal olive tree. I walked this land before the swords Turned its living body into a laden table. I come from there. I render the sky unto her mother When the sky weeps for her mother. And I weep to make myself known To a returning cloud. I learnt all the words worthy of the court of blood So that I could break the rule. I learnt all the words and broke them up To make a single word: Homeland..... Mahmoud Darwish


6 de Julho de 2007

Night Poem

There is nothing to be afraid of, it is only the wind changing to the east, it is only your father the thunder your motherthe rain In this country of water with its beige moon damp as a mushroom, its drowned stumps and long birds that swim, where the moss grows on all sides of the trees and your shadow is not your shadow but your reflection, your true parents disappear when the curtain covers your door. We are the others, the ones from under the lake who stand silently beside your bed with our heads of darkness. We have come to cover you with red wool, with our tears and distant whispers. You rock in the rain's arms, the chilly ark of your sleep, while we wait, your night father and mother, with our cold hands and dead flashlight, knowing we are only the wavering shadows thrown by one candle, in this echo you will hear twenty years later. Margaret Atwood


6 de Julho de 2007

Nattier

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6 de Julho de 2007

O Silêncio

O silêncio morre na boca azul da lua "temos todo o tempo do mundo" só não tenho tempo de viver mas vivo, claro verbo profundo "parece cocaína mas é só tristeza" o silêncio nasce no ventre branco do lírio passa o colírio e uma gota de orvalho do teu incêndio Carlos Eduardo Bandeira de Mello Gomes


6 de Julho de 2007

Teniers

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6 de Julho de 2007

Witchcraft By A Picture

I fix mine eye on thine, and there Pity my picture burning in thine eye; My picture drowned in a transparent tear, When I look lower I espy. Hadst thou the wicked skill By pictures made and mard, to kill, How many ways mightst thou perform thy will? But now I have drunk thy sweet salt tears, And though thou pour more I'll depart; My picture vanished, vanish fears That I can be endamaged by that art; Though thou retain of me One picture more, yet that will be, Being in thine own heart, from all malice free. John Donne


5 de Julho de 2007

Sway

When marimba rhythms start to play Dance with me, make me sway Like a lazy ocean hugs the shore Hold me close, sway me more Like a flower bending in the breeze Bend with me, sway with ease When we dance you have a way with me Stay with me, sway with me Other dancers may be on the floor Dear, but my eyes will see only you Only you have the magic technique When we sway I go weak I can hear the sounds of violins Long before it begins Make me thrill as only you know how Sway me smooth, sway me now Other dancers may be on the floor Dear, but my eyes will see only you Only you have the magic technique When we sway I go weak I can hear the sounds of violins Long before it begins Make me thrill as only you know how Sway me smooth, sway me now You know how Sway me smooth, sway me now Norman Gimbel


5 de Julho de 2007

Cantata em rodas plumas

O amor armou a clava da tarde e seu alarme. Quer, albatroz, levar-me onde alcançam suas asas. Vem, ditoso, acordar-me. Quer nos levar nas rodas das plumas e avalanches. Nós chegaremos antes com jubilosas almas, que se absorvem, alvas e salvas, nos redutos. De céu a céu, conceitos são cinzas e ferrugem. E os que se amam, pungem de amar, e mais amando em gozo, em gozo, em bombo ou nos vestígios, nuvens; nos elos desta lava. Em mais amor solvemos o que se faz pequeno. E humano: abismo, abismo. Carlos Nejar


5 de Julho de 2007

Faro

faro.jpg a minha (outra) cidade


5 de Julho de 2007

Interlúdio

Quando pende a cabeça em abandono Com ar de nuvem no olhar tão vago Ligeira vertigem de tela de Modigliani Desfalece sem desfalecer Numa tristeza sem vontade de chorar Numa ausência de poema de Nejar Quando assim já desfeita em poesia Confundindo-se com o ar que evapora dos mares De serenidade interna inteira impossível Meio lágrima pluma areia Feita raridade rarefação e espuma Quando já nem dia nem noite Só Lua Ricardo Alfaya


4 de Julho de 2007

musa em leito silvestre

cavalgar tormentas subjugar pesadelos compor sonhos aveludados destituir monarcas liderar o levante dos dragões espada reluzente arado eficaz da próxima colheita sopro que conduz o insano ao castelo desprovido de janelas ilusão poética em mar aberto José Geraldo Neres


4 de Julho de 2007

Netscher

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4 de Julho de 2007

Do Sentimento

(gentileza de Amélia Pais) minha voz não chega aos teus ouvidos meu silêncio não toca teus sentidos sinto muito mas isso é tudo que sinto Alice Ruiz


4 de Julho de 2007

Ode ao Amor do Mar

Gosto do mar pelo absurdo sensual de suas sereias pelo encrespar do vento no ventre de peixes abomináveis pelo lésbico despudor das ondas violentando as águas gosto do mar absorvendo sol na máscara de bronze dos pescadores gosto do mar mistério azul das mulheres-marinhas visivelmente estranguladas gosto do mar concupiscente e paradoxal em seus horrores. Barros Pinho


4 de Julho de 2007

Rota de colisão

Digo para o meu desejo esquecer o rumo do teu corpo te largar numa esquina feminina perder o endereço das tuas mãos. Ando amnesiada pelos sóis de agosto distribuindo risos postais mostrando que não te quero ...Mas te busco nas bocas que beijam avidamente como se a vertente de incontroláveis prazeres atraísse a velocidade dos ônibus metropolitanos aos becos escuros dos subúrbios. Elíude Viana


3 de Julho de 2007

Aino Kannisto

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3 de Julho de 2007

Jardinagem

(gentileza de Amélia Pais) fazer poesia é uma forma de jardinagem: manipular as plantas, as coisas vivas. umas fenecem, outras surpreendem-nos ao acordar, pela carne que discretamente desenvolveram durante a noite, pelo tacto de veludo, pela luz que parece vir do seu centro. às vezes, há uma flor que pende no meu escritório, e eu diria perdida. e subitamente, a mesma flor ressurge no canteiro da varanda, no lado oposto da casa. fazer é polinizar, provocar efeitos, mas nunca se sabe para que tempo, nem a que distância. Vítor de Oliveira Jorge


2 de Julho de 2007

Da luz

Que limites existem para a luz? Veio alguém acender esta candeia. À nossa volta, uma pequena chama principia a erguer-se, mas em vão é que ela se conserva perto de nós, quando abrimos devagar as leves páginas cujo sentido se ignora e as fechamos depois sem esperança, como se fosse este o seu destino no interior da noite. Estamos ali adormecidos e havemos de encontrar uma outra luz, maior, que as permita ler. Fernando Guimarães


1 de Julho de 2007

Derain

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1 de Julho de 2007

Destruction Of Daughters

The friend who is concerned with backdrops, not us, but what we stand against, his way of looking at the women he loves, to not look at them at all but at roofs, a bit of sky. To understand when exactly a woman is angry because of the way she works her mouth he believes will never be enough. He opens the glass doors of his house as the lawn steams with the music of his daughter. He has bought a piano to lure her to him. The music will never be obsolete, a vision of the world in a perfect rain. As if two friends sat at a table that suddenly appeared with wine, the dishes growing invisible after they were finished. A woman spoke—her voice so full of pain they didn't have to feel pain anymore, no one, not even that woman, and such friends could be direct. All that medicine for your heart makes you lonely. Friend, you might as well look at your daughter, your one instrument, as well as at the air around her, dangling and streaming with music. The music wants you both but knows when to wait a little bit, as if such a daughter cannot help but be destroyed and found again, silent and then crying out, silent and calling and is that perfect, that near a heart. Lee Upton